“Era manhã feita quando a voz grossa e desconhecida se fez clara e quase tão real quanto o soldadinho de camisa azul que gastava tardes inteiras a defender o Forte do ataque apache. Poderia ser o sonho último da manhã, aquele que prende à cama quando o sol já vai alto, não fosse a insistência com que tornava a voz, entre gracejos discretos e a fala da mãe. O menino abriu os olhos e correu à porta. Da fresta, observou a figura do homem que nunca vira: pernas cruzadas, uma xícara de café na mão, o chapéu sobre o joelho. O rosto era enorme, os olhos fundos, um bigode fininho em cima do lábio. Sem perceber, ele imaginou-se no futuro: talvez um homem igual àquele. Voltou para a cama que dividia com a mãe e pensou nas perguntas sem respostas da sua vida diferente, nos únicos diálogos possíveis: se não com a mãe, só mesmo com o Comandante do Forte.
Ela entrou mudada, deu-lhe um beijo na testa e foi logo dizendo que não podia um gurizinho daquele tamanho dormir tanto assim. Abriu a janela e respirou fundo. À tarde, ela até cantou.
No outro dia não bastava observar de longe. O menino transpôs a porta e teve os olhos fundos em cima de si. Automaticamente desviou o olhar - ato vergonhoso, que a indagação do seu nome ofereceu a chance de corrigir. Olhos nos olhos, apresentou-se. Esticado o braço, sentiu a mãozinha nadar naquela outra imensa, grossa, pesada, quente. A mãe fez um riso mudo, a cabeça inclinada para o lado.”
A tarde reservava um gosto original, o passeio a três. Mais ainda: entre a casa e o rio, a cidade atravessada passo a passo, em formação completa. Até na frente da casa do Zeca eles passariam. O Comandante do Forte não foi, tampouco houve ataque índio. O menino preferiu rolar na grama e tomar banho no rio. Falou só com a mãe, para pedir o bolinho de milho que ela trazia na bolsa. De resto, apenas escutou. Uma horinha chegou bem perto e tocou o músculo daquele braço. Era rijo como um moirão.”
Amilcar Bettega, Terra Magazine
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