Com todo o respeito às bruxas, Clarice foi uma fada

“Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. (...) Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho, mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. (...)” Clarice Lispector

Certa vez, ao falar sobre a escritora ucraniano-brasileira Clarice Lispector (1920-1976), o crítico carioca José Castello sentenciou: “Ninguém lê Clarice sem ser devastado pelo que lê”. Teria Castello se referido ao encanto proveniente da obra lispectoriana? Ou, testemunha dos efeitos da escrita de Clarice em amigos próximos, estava o estudioso a confirmar a tese de que o que ela escrevia, para além da literatura, era “bruxaria”? A seguir, alguns coincidentes episódios em que, se não estão revestidas de ampla simbologia, suas inferências não passam de mero devaneio ou especulação rasa a respeito de um mito.

Em 19 de setembro de 1998, uma matéria publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo foi assim intitulada: “O eterno retorno da bruxa genial da introspecção”. A reportagem – que, por mais bem intencionado que pareça o título, merecia outro, e explico em algumas linhas – falava sobre o manancial de possibilidades que a obra de Clarice suscitava mais de vinte anos depois de sua morte. Mostrava a inesgotável fonte de exploração literária que aquela enigmática e perturbadora criatura nos havia legado.

À matéria do Estadão, foi anexado um comovente texto atribuído à escritora Lygia Fagundes Telles, ocupante da cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras, no qual a imortal narra de maneira delicada como recebera a morte de Clarice, instantes após a perda, como informa a reportagem. Lygia estava em Marília (SP) a participar de um curso de literatura de uma faculdade de Letras – e, em passagem que insiste em perturbar a imaginação dos órfãos lispectorianos, narra como ela e Clarice riam “gostosamente” da vida, em deleite regado a vinho, champanhe, salmão e pão preto, em alguma birosca da Colômbia.

“Na véspera dessa minha viagem, um amigo telefonou para avisar: a Clarice Lispector está muito mal. Afastei depressa essa lembrança e, de repente, nos vimos na Colômbia, congresso de escritores. Ah!, não interessa a data, estávamos tão contentes na cálida Cali”, diz trecho de texto. “Quando acordei estava em Marília e tinha que correr porque estava atrasada, a aula. No saguão da faculdade uma jovem veio ao meu encontro, a voz trêmula, o olhar assustado. ‘Saiu agora mesmo no rádio, a Clarice Lispector morreu esta noite.’ Abracei a mocinha e entrei na sala. ‘Eu já sabia’, fui dizendo em voz baixa. ‘Eu já sabia’”, conclui a crônica.”
Fábio Góis, Congresso em Foco
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