Desdizeres de quem escreve

André Resende, LMD Brasil

"Quando tinha pouco mais de 70 anos, o poeta João Cabral de Melo Neto disse estar muito cansado de escrever e que, talvez, não escrevesse mais dali para frente. Durante toda a vida queixou-se da tarefa de escrever e preferia reescrever a escrever (“[...] as mesmas coisas e loisas/ que me fazem escrever/ tanto e de tão poucas coisas...”).

Não me lembro se essa opinião causou algum espanto na mídia, em geral tão atarefada em contar o dia-a-dia de políticos, traficantes e personagens da própria mídia. Não sei dizer se teve algum impacto inibidor em alguém que, naquela época, apenas começava seus primeiros poemas ou qualquer coisa. Se João Cabral estava cansado, qualquer um poderia estar.

Outro poeta, Haroldo de Campos, instigado a declarar-se, foi à imprensa dizer que só raramente escrevia poemas. De um tempo qualquer para frente, levava meses até surgir a idéia de algum – e daí a escrevê-lo... João Cabral e Haroldo de Campos não voltaram à imprensa para dizer: – Pessoal, eu disse aquilo, mas não me leve ao pé da letra, nem tão a sério. Na verdade, mesmo cansado, ainda que as idéias demorem a invocar métricas e frases, continuo a escrever, porque isso, escrever, é quase essência, se de fato não é minha essência.

Disseram o que disseram e continuaram a fazer o de sempre.

Só me lembrei disso porque reli uma reportagem sobre o escritor J. D. Salinger (cito-o em muitas ocasiões, não se espante daqui para frente). Desde os anos 60, Salinger interrompeu qualquer contato com a imprensa. Uma das alegações possíveis – e não fora ele quem a disse – é que o sucesso e a personalidade permanentemente exposta ao público e à mídia afetaram sua vida. Dessa maneira, não criava o que desejaria criar. Pouco tempo depois, parou de publicar coisas novas e seus editores limitaram-se, apenas, a fazer edições de três dos seus quatro livros, incluindo O apanhador no campo de centeio.”
Artigo Completo, ::Aqui::

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