Menalton Braff, Revista Bula
“Havia questões familiares envolvidas em
nossa decisão de fugir de São Paulo. Familiares algumas, sanitárias outras. A
Capital já era, então (1987), uma cidade estressante. Trânsito, rumor,
poluição, violência. A qualidade de vida despencava para patamares inaceitáveis.
Vistas ardendo, sistema respiratório comprometido, o medo permanente. Era fácil
intuir que se tratava de um processo irreversível.
Um dia, depois de um incidente de trânsito,
finalmente decidimos: Aqui não se vive mais. Xingado sem ter culpa, jurei que
passaria por cima daquele carro ali ao lado para esmagar sua ocupante. Há
ofensas que não podem ser aceitas sem revide, talvez com alguma violência. Era
o que eu pensava até o trânsito fluir novamente. Parti para cima sem muita
agilidade porque meu carro era velho. Durante dez quilômetros a avenida 23 de
Maio assistiu à nossa corrida imaginando tratar-se de alguma competição. Perdi
de vista minha vítima e estacionei numa rua sossegada. Braços e pernas tremiam,
meu coração dava pancadas nas paredes do meu peito, os olhos ardiam. Alguns
minutos mais tarde a civilização começou a retornar. Foi para isso que vivi até
hoje, que me preparei, que estudei? Virei fera? A ideia chegou trovejando nas
asas de um relâmpago: aqui não fico mais.”
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