O crime da torta de morango

Elisa Andrade Buzzo, Digestivo Cultural

“Havia algo de obsessivo naquele cheiro almiscarado, encontrado em meio a feiura desgostosa dos bares da avenida. A garimpagem distraída dos intervalos lhe fornecera como dádiva esta massa, tenra, amolecida por xarope levemente alcoólico, o creme pegajoso, pecaminoso, os morangos entumescidos de agrotóxicos, coroados por uma cobertura de gelatina vermelha. A embalagem transparente esquecida na geladeira era como um homem disponível pelo qual ninguém se interessa, mas que, no repente de uma admiração feminina declarada, torna-se um objeto subitamente desejado.

No café da manhã, já na mesa de trabalho, lá estava a torta meio comida na mesa, saboreada, na medida do possível, vagarosamente. Às vezes comprava duas tortas: a primeira serviria como entrada triunfal à fome; a segunda, como tranquilizante. Enquanto comia uma, olhava para o saquinho de plástico com a outra. Em algumas ocasiões, eram três as tortas, sendo a terceira e última reservada em oferenda ao ser amado.

No boteco em que a comprava, todos já sabiam quem era ela, aquela que entrava e perguntava pela tal torta. Reparavam, então, os atendentes, em sua sutil presença? Era visível em si uma agitação qualquer? Que rosto era aquele seu em que havia algo de marcante e relacionado a tortas de morango, se antes era simples e cinza e branco como todos os rostos famintos em horário de almoço?

Pois bem, havia momentos em que não tinha torta e a explicação que um homem deu, talvez um dos donos do bar, eram as férias escolares, sendo os alunos os "principais consumidores" da iguaria. E, então, ela não contava? Pois não, e assim as tortinhas apodreciam na vitrine gelada. De todo modo, por que não comer um de nossos pudins caseiros, que também são uma delícia?”
Ilustração: Renato Lima
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