Happy-hour para estupradores, cucarachas e afins

, Revista Bula

"O estupro foi tenso, mas, divertido. A primeira coisa que fizeram ao chegar àquele boteco copo-sujo foi esparramar sobre a mesa ensebada a féria do dia e pedir que o proprietário da espelunca — um conhecido, reconhecido e admirado traficante da comunidade do Caixote Quebrado — descesse rapidinho uma cerva estupidamente gelada, a fim de comemorarem o sucesso do ataque. Era meio que uma confraternização pela meta atingida, ferramenta de gestão muito utilizada pelos gestores de pequenas e médias empresas, vocês sabem, apesar da informalidade daquela corja.

“Mano, aquilo ali foi coisa de cinema”, comentou o mandachuva, o maior de idade, o que já tinha 18, como se ele já houvesse assistido a algum filme mais palpitante que toda a saraivada pornográfica de quinta categoria da sua coleção. “Foi mió que jogá coquetel nas polícia, que saquiá mercadim em dia de passeata de estudante, que matá cinegrafista com rojão”, ele curtia, enquanto derramava cerveja adulterada nos copos dos comparsas mancebos: um de 15 (o do meio), outro de 12 (o que tinha cara de neném).

Visivelmente excitado, ainda sob efeito da canabis, falando alto como se fosse um Assessor de Imprensa da Secretaria de Segurança Pública ao ler uma desculpa esfarrapada oficial do honorável secretário que se encontrava em viagem de intercâmbio lá na puta-que-o-pariu, o mais velho prosseguia o inventário do assalto seguido de estupro: “dois nóquia, uma monblanque, um relógio sem marca e sem ponteiro, três par de tênis naique,um noutebuque, dois cordão com pingente, um abridor de garrafa banhado em ouro (assim ele disse ao confundir uma peça surrupiada que, na verdade, nada mais era que um crucifixo de bronze), quinhentos real, sete cartão de crédito, três talão de cheque e uma calcinha de renda”.

O mais velho, o bam-bam-bam, o mandão, somava 18 anos, cinco deles gastos na bruteza, na malquerença, na peleja diária da marginalidade. Foi ele, o de maior, o mentor da invasão. Despreocupado em disfarçar tamanho contentamento e desprezo pelo infortúnio alheio, ele explicou de forma um tanto professoral aos noviços criminais que a peça íntima ele fizera questão de carregar consigo como uma espécie de troféu, um amuleto dali por diante, um pedaço de tecido costurado com rendinhas com o qual ele poderia, sempre que quisesse, esfregar na fuça, nas cicatrizes da cara (o apelido de “Scarface” até que não lhe cairia mal), para recordar o cheiro medroso daquela vadia (vadia, ali, no caso, foi o termo que ele utilizou para descrever a jovem que levara, na visão dele, tudo o que merecia, ou seja, um trato e tanto, muito bem dado, na frente do esposo — “Que mal existe em se divertir um pouco?” — um otário chorão que fora amordaçado e amarrado ao pé da cama).

Enquanto decidiam o que fazer, como dividir todo aquele tesouro surrupiado no meio da tarde dentro de uma casa tranquila de um bairro quase tranquilo de uma intranquila metrópole dominada pelo medo, como tantas outras cidades medonhas naquele país do descaso, o celerado mais velho que, apesar de semianalfabeto, dominava como ninguém as apuradas técnicas de liderança (ele realmente parecia ter nascido para a coisa, em especial, para organização de quadrilhas; a vocação para o crime parecia correr ali nas suas veias, junto com hemácias, ranço e moléculas de crack), enalteceu o desempenho do pupilo do meio, aquele que tinha apenas 15 aninhos de idade.

Bruto, aceso, ágil, serelepe, obediente, malvadinho e diligente, o moleque de 15 demonstrara bastante desenvoltura ao revirar as gavetas, esbofetear o marido otário, quebrar com coices potentes as portas dos armários, fuçar no interior do carro daquele casal de manés até encontrar uma qualquer coisa que tivesse valor financeiro. Mas o que dava orgulho mesmo, a melhor parte de toda a exitosa ação criminosa, foi acompanhar a sua primeira fornicação forçada. “O primeiro estupro a gente nunca esquece”, brincou o mais velho, o de 18, ao encher a bola e o copo do apadrinhado do meio, o segundo, o de 15.

Sem dúvida nenhuma, de acordo com o parecer do chefe daquela promissora matilha, o rapaz do meio, o de 15, mostrara àquela putinha (putinha, ali, no caso, foi o adjetivo meio chulo, é verdade, usado para tratar a moça cujos orifícios naturais foram testados à exaustão e à revelia, enquanto o primeiro, o mais velho, o foragido mor da liberdade assistida mantinha o esposo de olhos bem abertos, meio assim ao estilo absurdo de “Laranja Mecânica”, porquanto persuadia a vítima a não piscar ao encostar na sua têmpora pulsante o cano frio de um trinta e oito gentilmente cedido por um soldado em dia de folga).

O mais novo, não. O bebezinho, o caçulinha de 12 anos, comportou-se de forma muito infantil, vacilante, e tinha muito que aprender em matéria de por pra quebrar, de barbarizar sem dó nem piedade contra os otários da classe média. Tremendo mais do que a vara verde com que apanhou mais de mil vezes do pai alcoólatra, o guri chegou a vomitar no tapete da sala, não se sabia se de emoção, ou se pelo excesso de maconha que todos fumaram na boca do Caixote Quebrado antes da empreitada vitoriosa.

O fato é que, em sendo mais novinho que os demais celerados (este sim até merecia ser chamado de “Baby Face”), nada mais justo e certo que ele fosse o último a se valer, como bem entendesse, daquela vaca (a vaca, ali, no caso, foi uma figura de linguagem utilizada para descrever a dona de casa que, num momento de puro vacilo — “Perdeu, vagabunda! Perdeu!” — esquecera o portão da casa aberto ao sair para colocar o lixo na calçada, facilitando assim a penetração obtusa dos amargos bárbaros naquele lar e, por consequência, nas suas entranhas também).

Inexperiente, imperito, ingênuo e negligente no ofício do abuso sexual com plateia, ainda mais daquele jeito, naquelas circunstâncias, às pressas, rapidão, na frente de um sujeito que não parava de arfar e chorar que nem um bebê, além dos próprios companheiros de maldade, que não continham as gargalhadas, as ameaças e as galhofas, o guri não conseguiu sustentar nem metade da porcaria de uma ereção.

O fato é que o noviço, o projetinho de coisa ruim, ainda que tivesse a genitália sugada em meio aos prantos pelos lábios apavorados da beldade dominada, não atingiu a tumescência necessária para engendrar a invasão brutal da sua privacidade, deixando portanto de introduzir aquele minúsculo e muxibento falo intrometido nalgum orifício que fosse da megera (megera, ali, no caso, no entender da trupe do estupro coletivo, era a alcunha mais perfeita para sinalizar a desavisada mulher, que se preparava para picar uns legumes para a sopa, quando sentiu a fria lâmina de um estilete pressionada contra a sua goela). “Agora é pica, minha filha”.

Os braços sujos levantaram-se mais uma vez no lusco fusco da happy-hour, para mais um Drink no Inferno, como diria o cineasta Robert Rodriguez. O fato é que ali, naquele criatório de viciados e facínoras de todas as estirpes, os presentes estavam visivelmente orgulhosos do fruto do trabalho naquela tarde ensolarada: o mais velho, o do meio, o menorzinho e o proprietário do antro, que era o ídolo das multidões.

“Da próxima veis, nóis vai traçá é uma bebezinha”, comentou o mais velho, ao enfiar a mão dentro da sunga arrancando gargalhadas dos demais, a não ser do bagrinho, do piá de bosta, do calouro em crueldade, o menino de 12, o que tinha cara de anjo, o caçulinha dos cães, pois este danou a vomitar de novo, desta feita, na calçada, sobre a cara abismada das baratas, que a tudo assistiam, desconfiadíssimas, borrando-se de medo daquele povo. Mesmo assim — baratas que eram — fartaram-se do banquete surpresa com seus novos colegas."

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