O voto é secreto, mas, a intolerância é explícita


 Por Eberth Vêncio, Revista Bula -

— Ainda vai demorar muito, Bob?

 — Já tô quase lá, querida. Peraí

— Anda logo com isso, Bob. Tô com muito sono.

— Não põe pressão, Meg. As coisas não funcionam assim comigo, você sabe muito bem. Por que você simplesmente não olha para o teto e abstrai um pouco?

— Caramba. Essa tal de Rita Corvette sabe mesmo como ser vulgar. Põe cada foto no blog dela. Parece uma galinha velha, uma prostituta em final de carreira. Você viu? Que horror.

— Desliga isso, Meg, pelo amor de Deus. Tá me desconcentrando totalmente.

— Mojo Filter não para de subir nas pesquisas.

— Imagino. O povo merece candidatos como Mojo Filter. Humm… Tá endurecendo de novo. Agora vai. Segura as pontas aí, baby. Papai está conseguindo.

— As próximas eleições vão ser um porre. Você acredita que o velho Mojo condecorou o fantasma do Almirante Ultra em pleno plenário do Senado? O cara torturava estudantes com penas de ganso.

— Não brinca com coisa séria, Meg. Ele era o demônio de farda. Não consigo me concentrar com você falando feito uma tagarela. Tá difícil, viu? Vira, por favor. Deixa eu ver se por trás dá certo.

— O orifício é estreito, Bob. Não força. Você bem que podia deixar isso pra amanhã, querido. Tenho que estar na Estação de Escambau-a-quatro às cinco da matina. Juro que eu preferia estar entre esses 13 milhões de desempregados. Emprego desgraçado. Vida desgraçada. Queria tanto me mandar dessa desgraça de país, Bob.

— Jesus, não tá funcionando. O que será? Vira novamente, gracinha. Deixa eu tentar mais uma vez pela frente.

— Passa cuspe, bebê. Escuta mais essa: tem um projeto de lei tramitando na assembleia que propõe o banimento dos aparelhos celulares das salas de aula em todo território nacional. Esse povo tá de brincadeira, Bob.

— Seria ótimo. Deveriam banir nas casas das pessoas também. Talvez, quem sabe, assim eu tivesse alguma chance de atingir os meus objetivos.

— Esse cara é um trouxa, Bob. Deve ser um antropólogo gay, um professorzinho de escola pública, um desses caras peludos da esquerda. Só pode. Ele deve estar pensando que a gente ainda vive na Idade Média. Vem aqui, meu cut-cut-cut… — ela diz imitando voz de criança, beijando a tela do telefone celular como se fosse um gatinho.

— Chega um pouco mais pra cima, Meg. É isso aí. Assim. Agora, sim. Entrou tudo. Encaixou perfeitamente.

— Ainda bem que eu já saí da escola, Bob. Não dá pra imaginar um mundo sem o Maçãzinha Mordida. Aliás, tô precisando de um novo. Você me dá um telefone novo, Bob? Esse aqui já tem seis meses, tá parecendo uma carroça.

— (silêncio no quarto)

— Vai demorar, amorzinho? Papo reto. Você não faz ideia. Já estou que nem Jesus Cristo: pregada.

— Você não contribui, Meg. Não me incentiva. Parece que não se importa comigo, que não tá nem aí pra paçoca.

— Eita… O Tessalonicenses contratou aquele técnico dos 7 a 1. Que vergonha. Agora cai mesmo pra segundona.

— Um pouquinho pro lado, Meg. Assim. Isso. Agora ficou ótimo. Tá no lugar certinho. Agora, deu. Humm… Que maravilha, Senhor. Obrigado, Pai.

— Chega, amor. Já estou até sentindo cãibra e você não termina isso.

— Já teria conseguido se você não largasse a porcaria desse aparelho celular. As coisas não era assim antes da gente casar, sabia?

— Quer continuar essa treta sozinho, gato? Se quiser, eu caio fora.

— Se liga, gata, já estou quase no fim. Agora falta pouco. Quase lá.

— Sabe, Bob? Nunca na vida eu quero ter um filho com você. Nem com você, nem com homem nenhum, entende? Não é que eu não te ame, Bob. Acontece que eu não quero ter um filho, não quero deixar descendentes no planeta.

— Tá.

— Tá? É só isso que você tem pra dizer, Bob?

— Puta merda. Hoje tá foda, viu?

— Para de reclamar e acaba logo com isso, cavalinho. Já estou com gastura. Putz! Prenderam o Doutor Bumbum.

— Quem é esse cara?

— Um médium que injetava baba-de-camelo nos glúteos da mulherada.
— Tá zoando comigo.

— Sério. Acho que vou fazer o meu bumbum sorrir antes do próximo verão. O que você acha, Bob?

— Não tem nada de errado com a sua bunda, Meg.
— Você é um fofo.

— Aaaahhhhh! Upa-lá-lá! Sim! Sim. Sim, baby! Hosana nas alturas! Obrigado, minha Nossa Senhora da Aparecida! Pelo Sangue do Cordeiro! Pronto.

— Pronto o quê, Bob?

— Terminei, ora e essa.

— Já não era sem tempo.

— Ficou ótimo.

— Nem tanto, cachorrinho.

— Ficou, sim. Admita. Ficou ótimo.

— Tá se achando, né?

— Eu merecia sexo aqui e agora, baby. Isso sim. Deus é testemunha da minha total entrega.

— Sem chance, gato. Vou pra cama dormir. Amanhã eu acordo de madrugada. Boa noite, Bob.

— Boa noite, Meg. Eu te amo. Uau. Foi demais. Isso aqui ficou mesmo uma belezinha.

Apreciou a estante nova, guardou as ferramentas e foi tomar uma ducha.

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