Sou favorável a que todo cidadão possua uma arma para matar a saudade



 Por Eberth Vêncio, Revista Bula -

Sou favorável a que todo cidadão possua uma arma para matar a saudade. Neste quesito, estou ficando mais cruel a cada dia. Ou seja, para as mínimas demonstrações de afeto, devolvo o troco em balas, tudo na maior doçura. Sou a favor de uma reforma agrária que garanta a todos o seu próprio pedaço de chão onde cair morto, um cemitério clandestino para enterrar os sonhos dizimados e um fosso de crocodilos para atirar dentro os medos. Uma vida sem muros. Detesto tanta insegurança. É por isso que eu escrevo. Sou a favor da pena de vida para quem anda pensando em se matar. Sigamos de mãos dadas, vacilantes parceiros. A vida é um jogo sem regras claras, desta forma, estamos juntos nessa sinuca de bico. Mesmo sem saber aonde é que isso tudo vai dar. Quero distância confortável de gente que complica as coisas. Eu já me basto em amargura. Sou favorável, portanto, à ditadura das intransigentes flores-de-ipê que ocupam de amarelo os campos secos que até pareciam mortos. Há esperança, resiliência, um excesso de vida nessas cores luzidias. Tive sorte por nunca ter matado um passarinho, pois, tive oportunidades para fazê-lo quando era apenas uma criança. Se querem saber, sinto que agora poderia bater as asas e sonhar alto a ponto de defender a invasão bárbara dos corações aflitos pelos exércitos da solidariedade. Ninguém, nos dias de hoje, deveria estar morando numa rua, numa praça, num túnel, passando fome, frio e truculência. Não nesse mundo de alta conectividade e tecnologia de ponta. Não é da minha conta, mas, apontem-me um único homem feliz na face da terra e eu lhes direi o quanto ele é egoísta. No exato instante em que escrevo este texto piegas e sem bússola, botes lotados de refugiados flutuam à deriva nas águas do Mediterrâneo. Quem irá nos resgatar de nós mesmos? Tenho medo de divagar depressa demais, de morrer afogado nos próprios pensamentos. Não sei nadar. Não sei de nada. Preferiria queimar por dentro até desaparecer numa nuvem de fumaça. Não há mágica que nos faça felizes. Portanto, sou favorável à liberação dessa droga chamada amor. E que amar seja um vício que nos consuma irremediavelmente, de tal forma que caiamos, enfim, uns nos braços dos outros, irmanados, parecidos, pacificados, numa deliciosa e impensada prisão perpétua chamada felicidade.

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