Euler de França Belém, Revista Bula
“O corrosivo escritor austríaco Thomas Bernhard certamente “preferia” ser herdeiro de filósofos como Schopenhauer e, quem sabe, Nietzsche. Embora sua prosa seja esmagadora, sem concessões, é possível que um de seus pais — inconfesso — seja o suíço Robert Walser. A ironia indireta do romance “Jakob von Gunten — Um Diário” (Relógio D’Água, 161 páginas, tradução de Isabel Castro Silva) é mais, digamos, “sutil” do que os petardos virulentos de Bernhard. Mesmo assim, há certo parentesco, sobretudo na distância que ambos guardam da vida e do pensamento tradicionais. A diferença é que um é indireto e o outro é direto. Walser morreu, “louco” (há quem duvide disto, incluindo o próprio autor, que, perguntado porque não continuava escrevendo no hospício, redarguiu: ‘Eu estou aqui para ser louco, não para escrever”), aos 78 anos, em 1956. Ele era o autor preferido do tcheco Franz Kafka, que, como o suíço e o búlgaro Elias Canetti, escrevia em alemão.
No Brasil, Walser é pouco conhecido e, como somos surrealistas, a fortuna crítica chegou primeiro, com textos de Walter Benjamin, Zé Pedro Antunes, Marcelo Backes, J. M. Coetzee e Elias Canetti. Em 2003, o romance “O Ajudante” saiu pela Editora Arx, com tradução e apresentação de Zé Pedro Antunes. Portugal saiu na frente e publicou outros livros de Walser, como “Jacob von Gunten”, de 1909, seu principal romance. A obra sai agora no Brasil, sob chancela da Companhia das Letras (152 páginas), com tradução de Sergio Tellaroli.
O ensaio “Robert Walser” (inserto no livro “Magia e Técnica, Arte e Política”, Brasiliense, 253 páginas, tradução de Sergio Paulo Rouanet), escrito em 1929, de Walter Benjamin, tem apenas quatro páginas, mas certamente é o ponto de partida das críticas posteriores. “Walser nos confronta com uma selva linguística aparentemente desprovida de toda intenção e, no entanto, atraente e até fascinante, uma obra displicente que contém todas as formas, da graciosa à amarga”, escreveu Benjamin. Ao examinar a informação de Walser de que não revisava seus textos, o filósofo alemão assinala: “... escrever e jamais corrigir o que foi escrito constitui a mais completa interpretação de uma extrema ausência de intenção e de uma intencionalidade superior. (...) Para Walser, o ‘como’ do trabalho é tão importante, que para ele tudo o que tem a dizer recua totalmente diante da significação da escrita em si mesma. Podemos dizer que o conteúdo desaparece no ato de escrever. (...) Encontramos nesse autor algo de eminentemente suíço: o pudor. (...) A característica de Walser (...) é justamente esse pudor linguístico, tipicamente camponês. Assim que começa a escrever, sente-se desesperado”.
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