“A notícia da soltura foi uma festa. A
vizinha saiu correndo de casa e chamou do nosso portão. Gritou lá da rua: “Seu
irmão foi solto”. Minha mãe chorou de novo
João Carlos Ribeiro Jr. / Brasil de Fato
Na tarde seca em que meu tio e avô foram
presos, minha mãe chorou compulsivamente. Eu queria ficar com ela, mas a
vizinha, que tinha telefone e trouxe a notícia, me mandou ir brincar na rua.
Meu pai chegou logo depois e não entendeu nada, ficou confuso. Ninguém sabia o
motivo.
Eu tinha sete anos de idade, fiquei
assustado. No dia seguinte recebemos outra ligação dizendo que meu avô já tinha
sido solto. O meu outro tio, que acompanhava a situação, disse pra minha mãe
não pegar estrada, não era necessário. Quando surgissem mais notícias, ele
daria.
Dias passaram e minha mãe incorporou uma
tristeza silenciosa, olhos cinzentos. A notícia inesperada da prisão havia me
dado um tipo novo de liberdade, que me permitia ficar mais tempo na rua, mas eu
sempre queria voltar logo.
Eu não sabia explicar o que tinha
acontecido. Todos os meus amigos e algumas mães curiosas me perguntavam, mas eu
só sabia que meu tio estava preso. Na escola, minha professora pediu que não
falássemos sobre o assunto, que aquilo não era para sala de aula. Isso não
impediu que eu ficasse um pouco famoso. Na minha casa, a desolação.
Passei a disputar a atenção de minha mãe
com narrações épicas de jogos de futebol. Mentia descaradamente. Em palestras
miraculosas, era goleiro de defesas memoráveis e, jogando na linha, craque
goleador. Num dia, Ademir da Guia; no outro, meu chute era um balaço de
Rivellino. Fui Pelé muitas vezes.
A notícia da soltura foi uma festa. A
vizinha saiu correndo de casa e chamou do nosso portão. Gritou lá da rua: “Seu
irmão foi solto”. Minha mãe chorou de novo.
Aí ela me disse que eu perderia alguns dias
de escola porque visitaríamos meu tio. Viagem de ônibus, quatro horas de
distância. Meu pai e minha mãe trancaram a fala e os gestos. Escassez de afeto.
Eu, que queria olhar tudo pela janela, captar a paisagem total, inteira, fiquei
com a cabeça pesada e uma torção estranha no estômago. A única coisa que minha
mãe me dizia era para que, ao chegar, não olhasse muito para meu tio, não
ficasse com cara de assustado, agisse como um moço grande. Isso foi repetido,
repetido, repetido e fiquei nervoso. Muito antes da metade do caminho eu já
estava como eles, calado e desinteressado pela janela. Eu podia contar cada
minuto do caminho.
Quando chegamos, meu avô, que só tinha me
visto recém-nascido, me segurou pelos dois braços e me levantou alto, contra a
luz, como se atestasse seus genes. Meu outro tio fez uns gracejos, bagunçou
meus cabelos. Não me importei muito, mas estava ansioso para conhecer meu tio
que tinha sido preso. Eu não podia ficar olhando fixamente, parecer assustado,
me espantar. Não tinha me esquecido disso, mas queria espiá-lo um pouco.”
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