“Não aceito
o controle do corpo e o moralismo como estratégias de combate. Sobretudo nos
movimentos pela emancipação
Marília Moschkovich, Mulher Alternativa
/ OutrasPalavras
Não sou capaz de me lembrar há quanto tempo
sou feminista. O feminismo sempre fez sentido numa família feminista – um
privilégio, penso eu. Quanto mais eu tomava consciência do meu próprio
feminismo, porém, mais eu percebia que as pessoas têm geralmente uma ideia
muito equivocada do que significa adotar este posicionamento. Em primeiro lugar
porque, embora haja tendências gerais, ele não é fixado, único e muito menos
estático: está em disputa, como todas as categorias e formas de pensar a vida
social. Em segundo lugar porque há quem, sendo antifeminista, se aproveite da
disputa sobre essa visão de mundo para selecionar os casos mais esdrúxulos de
sua interpretação e divulgá-los como uma caricatura de mau gosto de algo
construído com tanto sangue, suor e — vejam só! — paciência.
A princípio, a ideia comum a todas as
feministas é uma crítica aos papéis sociais sexuais e condições de vida por
eles estabelecidos. Não se trata apenas de reivindicar direitos, mas de
repensar, questionar, criticar. Reformular e construir uma nova ética, na qual
as pessoas sejam tratadas da forma mais justa, igualitária e livre possível
(inclusive quando isso significa estabelecer e reconhecer diferenças).
Aí é que o negócio começa a complicar.
Não é segredo que há uma série de mitos
sobre feministas, como há sobre comunistas (que “comiam criancinhas”, lembram?)
ou sobre qualquer grupo que, ao se insurgir, parece ameaçar, de alguma forma,
os privilégios vigentes de uma sociedade absoluta e cruelmente desigual.
Quantos mitos sobre a baixa capacidade de alunos cotistas negros em
universidades públicas? Quantos mitos sobre as práticas sexuais gays? Quantos
mitos sobre travestis? Homens dançarinos? Mulheres lutadoras? Militantes?
Poupo vocês dos detalhes sórdidos e da cara
de choque quando as pessoas descobrem que a comunidade “Empetecando”, no
Facebook, sobre maquiagens, esmaltes e dicas de beleza, foi criada, é gerida e
está repleta de mulheres feministas. Regular, controlar e restringir as
práticas sexuais e corporais das pessoas com base em dogmas próprios imutáveis
não feminismo, é religião. Feminismo é outra coisa.
É aí que está o truque, a disputa: algumas
militantes que se reivindicam feministas definitivamente discordariam. Poucas,
é fato. Mas existem. Há quem se reivindique feminista e pense em regramento e
controle do corpo como estratégia de combate. Meu exemplo favorito – e que, com
o perdão da péssima ironia, não faz ao feminismo libertário que defendo favor
nenhum – é a guerra anti-pornografia que se deflagrou nos EUA na segunda metade
do século 20. Munidas de estratégias antiéticas, teóricas como Catherine
MacKinnon e Andrea Dworkin foram à luta não só na esfera intelectual mas também
na esfera jurídica. Não mediram esforços para estabelecer mecanismos de
controle extremo do Estado sobre as práticas sexuais de adultos em pleno
exercício de sua razão.”
Arte: Blanca Amezkua, Grenudita
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