Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação
“O título
desta coluna é uma reverência a Luiz Fernando Veríssimo que, em meados dos anos
80, escreveu uma crônica também assim intitulada. Naquele texto, o consagrado
escritor, com deliciosa ironia, falava sobre o crescente empobrecimento da
classe média. Eram tempos difíceis, de que muitos parecem esquecer-se.
Mas a classe média não ficou
pobre e hoje, em novo cenário, o que se vê, pelo contrário, é a ascensão social
de segmentos até então excluídos. Chega-se a mencionar uma “nova classe média”,
mas essa, creio, é uma expressão forçada. O que há são algumas dezenas de
milhões de miseráveis ou pobres que, em função de políticas públicas, estão
alcançando um nível, ainda insuficiente, de dignidade e cidadania.
A verdadeira classe média, a
da crônica do Veríssimo – a tal que, naquela época, escapou da pobreza – essa
não vê agora com bons olhos a “perigosa” aproximação da classe “C” e põe o seu
bloco na rua, com a hipocrisia de sempre, parecendo defender aquilo que, na
realidade, não quer que aconteça. As paralisações dos médicos são
emblemáticas nesse sentido e não é por acaso que ocorrem no exato momento em
que estão ameaçados os seus interesses corporativos.
Em entrevista concedida à
revista “Isto É”, de 24.07.2013, o escritor Ferreira Gullar declarou,
possivelmente encantado com as últimas manifestações, que “quem faz revoluções
é a classe média”. Em abono da sua tese, citou, entre outros, Marx, Fidel
e Lenin, que, sendo da classe média, teriam conduzido, na teoria e/ou na
prática, processos revolucionários.
Ferreira Gullar é um dos
meus poetas prediletos, particularmente na sua fase de artista engajado, com
produção de forte cunho social, nos chamados “anos de chumbo”. Hoje, porém, não
me sensibilizam nem um pouco as suas posturas que namoram o neoliberalismo. Em
relação ao que afirmou, penso que se esqueceu de mencionar que as históricas
personalidades citadas foram revolucionárias justamente por não aceitar
os valores de sua classe. Foram, por assim dizer, ovelhas desgarradas do
rebanho da burguesia...
Na caracterização da classe
média – que conheço bem porque a ela pertenço - acho que, pelo menos em
nosso país, longe de promover revoluções, ela é bem mais chegada a
golpes... Seus valores contraditórios a fazem, não raro, acender
velas a Deus e ao Diabo.
Os seus arautos se dizem
preocupados com a Educação, apregoam a necessidade de um ensino de qualidade
por parte do Estado, mas, bem lá no fundo, sabem que a perpetuação de um ensino
público deficiente garante para seus filhos – nos colégios particulares – a
permanência de distinções que a desigualdade propicia. Uma espécie de reserva
de domínio dos privilégios. Lembro-me bem de como foram dinamitados os CIEPS,
um projeto de Darcy Ribeiro diretamente voltado para atacar e resolver o
problema na raiz. Ainda me recordo do furor conservador que vociferava contra
os gastos de Brizola com cada escola integral, considerado dinheiro que “daria
para fazer várias escolas menores”. Tradução: para os pobres, a quantidade;
para os ricos, a qualidade...
No campo da saúde, a classe
adora fazer piadinhas com o SUS, um dos maiores sistemas públicos de saúde do
planeta. Divertem-se destacando os seus defeitos – que existem, é claro -
e deliberadamente omitem as múltiplas atividades positivas desses
segmentos no atendimento aos milhões de brasileiros que só têm o SUS como
solução. Masoquistas, talvez, parecem gostar de planos de saúde que achacam
seus bolsos, ou de médicos que fazem da profissão um negócio. Pouco se
lhes dá se existem 700 municípios no país sem um profissional da área.
Ao invés de festejar as
vitórias registradas no IDH, que deu saltos nos últimos anos e que tem, esse
sim, tudo a ver com a felicidade dos brasileiros, a nossa classe média prefere
seguir o posicionamento dos suspeitíssimos gurus e “especialistas” que
elegem como divindades o PIB, o Mercado, a Bolsa, o dólar... E, fiéis a uma
mídia calhorda, estão sempre dispostos a encaixar um “mas” ou um “porém”,
cada vez que se deparam com uma vitória da cidadania na luta contra a
desigualdade.
Quando faltam todos os seus
argumentos –invariavelmente colhidos no Jornal Nacional ou naquela
conhecida revista semanal -, adoram indignar-se com a corrupção. Não com toda e
qualquer corrupção, como conviria aos espíritos realmente preocupados com
a ética, mas com uma de endereço certo, carimbada exclusivamente
naqueles que lhe querem retirar certa exclusividade na zona de conforto. Não
lhes preocupam, de forma alguma, os malfeitos dos seus ídolos na mídia ou na
política – convenientemente omitidos - ou mesmo os seus próprios
deslizes do cotidiano, materializados em propinas a guardas de trânsito,
sonegações no imposto de renda, logros na alfândega e coisas do gênero...
A filósofa Marilena Chuaí
talvez exagere ao caracterizar a classe média como fascista, violenta e
ignorante. Prefiro achar que esse grupo social é desinformado, egoísta e
hipócrita, com falso discurso voltado para o social. E, sem muita
filosofia, convido os leitores a ouvir os críticos versos do cantor
popular Max Gonzaga, na música “Sou classe média”, cujas frases finais
apregoam: “Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta / Porque é
mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida...”
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