“Basta de hipocrisia! Abaixemos as armas em
nome da reforma política. Nos rendamos todos em nome da utopia!
Lula Miranda, Brasil 247
Jorge
Amado retratou com maestria em
A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água a
hipocrisia das classes dominantes no Brasil. Grande história que nos foi
contada, de modo picaresco, pelo grande e saudoso escritor baiano. Leia o livro
e/ou assista ao filme. Tal qual Quincas nessa obra-prima da literatura
brasileira, a velha política e os velhos políticos vivem em meio à hipocrisia,
promiscuidade e falsa moral da classe dominante e precisam renascer e voltar o
seu olhar e afetos para os pobres, os pretos, as prostitutas e todos os
desassistidos desse país de imensa vastidão, que não cabe em regionalismos
reducionistas, disputas paroquiais e preconceitos rastaqueras.
Porém, a despeito de todas as verdades
gritantes, na vida real... As grandes obras literárias mofam nas prateleiras
das poucas bibliotecas públicas de que dispõem os municípios brasileiros ou
repousam esquecidas nas estantes das chamadas “casas de família”. As lições se
sucedem. Uma após a outra. Mas nada, ou muito pouco, aprendemos. As verdades
parecem sucumbir às mentiras e ao cinismo.
Escândalos de corrupção se repetem. Sucessivamente.
Freneticamente. Um após o outro. Um envolve os políticos do partido “X”; outro
envolve políticos do partido “Y”, um outro, os do partido “Z”. É vasto,
risível, enfadonho o abecedário partidário. Após tantos escândalos nada parece
mais nos escandalizar. Tamanha a lassidão e hipocrisia de nossos homens
públicos. Tamanha a lassidão e hipocrisia de nossos jornalistas. Tamanha
a lassidão e hipocrisia da sociedade.
Mas eis que escuto finalmente uma voz
dissonante em meio ao falso moralismo e hipocrisia dominantes, em meio às vozes
de juízes e verdugos de um teatro montado para entreter as galerias sedentas
por Justiça. Embora eles não saibam e não queiram saber o que vem a ser a
Justiça de fato.
Disse um novo ministro que chega à Suprema
Corte: "[O julgamento da AP 470] terá sido em vão se não forem tomadas
providências para a reforma do sistema político". E disse mais ainda:
"O país precisa com uma urgência desesperada de uma reforma política, não
importa se feita pelo Congresso federal ou por meio de participação da
sociedade" (...) Vale a pena ler a íntegra da fala do ministro Barroso com
bastante atenção.
Venho dizendo e repetindo essas mesmas
palavras aqui há meses, juntamente com alguns poucos e raros jornalistas e
comentaristas de política, numa espécie de “jornalismo de resistência”
[“resistência” às denúncias capciosas, ao falso moralismo e à justiça
seletiva/hipócrita e ao chamado “jornalismo de mercado”].
Venho dizendo e repetindo essas mesmas
palavras, aqui nesse espaço, há meses, em vão... Serão também
vãs as palavras desse novo ministro do Supremo, que me parece realmente imbuído
de nobre intento, que parece se colocar a serviço da cidadania e da defesa da
coisa pública [a República – que, já nos ensinou a história, se sobrepôs ao
velho e decadente regime monárquico dos conservadores e escravocratas]? Para
que uma nova ordem se instaure, a velha tem que morrer.
Enfim, por fim, finalmente, um juiz da
Suprema Corte não se dobra de joelhos diante do império silente e hipócrita dos
eternos “donos e senhores do Brasil” e se posiciona em defesa da pátria e da
Constituição?! Ou, melhor dizendo, em defesa daquilo que nos constitui!
Quantas vezes os velhos hipócritas e as
oligarquias decrépitas, seus áulicos ou descendentes de torpe estirpe, terão
que morrer para que nasça o novo? Quantas mortes lhes serão necessárias?!
Morte a todos os caciques e oligarcas! Que
morram e morram novamente, quantas vezes for necessário, para uma morte
definitiva.
Não, não devemos nos preocupar ou perder
tempo em nominá-los, pois o que importa – e a história e os escritores insistem
em nos ensinar essa lição – não são as pessoas, os nomes ou os partidos que
condenamos. Devemos condenar e mudar todo o sistema espúrio, pois aí se esconde
solerte a grande ratazana, que produz, em suas pútridas entranhas, os pequenos
ratos nos subterrâneos da política. Se não exterminarmos a grande ratazana ela
prosseguirá parindo suas crias imundas.
Não bastou o duro processo do impeachment
de Collor?! Os anões do Orçamento? Os deputados comprados por FHC (ou, vá lá,
por seus operadores)? Ou o caso Lunus? Não foi o bastante o suposto “mensalão”
tucano? Ou o petista? Ou o demista?
Não é ainda suficiente o escandaloso caso
do tal “propinoduto” tucano, agora nas manchetes?! Nada parece ser o bastante
para saciar a hipocrisia da parte mais reacionária e conservadora da nossa
elite. Eles ainda se sentem confortáveis em sua Casa-Grande. E,
para eles, filhos do império do conservadorismo, com sua herança bastarda, que
se dane a senzala!
Basta!!!
Nada parece ser suficiente para aplacar a
irrefreável fúria dos militantes e “guerreiros” de uma estúpida batalha
política que, insensata, se realiza sobre os escombros da ética e da ruína da
verdadeira causa original de nossa utopia: a construção de uma grande nação e o
bem-estar de todos os seus cidadãos.
Basta de hipocrisia! Abaixemos as armas em
nome da reforma política. Nos rendamos todos em nome da utopia!”
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