Graça Taguti, Revista Bula
"A princípio parece que um termo não tem nada a ver com o outro. Alegria é sentimento. Alergia é sintoma. Mas na realidade os dois frequentemente se misturam. Ou a gente troca um pelo outro sem se dar conta. Os médicos, muitos deles, correm atrás das causas da alergia, e dizem que ela pode resultar de estados emocionais, aflições, angústias.
Podem decorrer de gula extrema por doces, salgados e que tais. Funcionar ainda como uma catarse, se somatizar no corpo. Uma pretensa explosão de alívio na pele, sob a forma de coceiras, que buscamos sem perceber para diminuir angústias, escondidas em um canto bem atrás das nossas cabeças.
Alegria, no dicionário de vida espalhado aos quatro cantos da existência, abrange diversos sinônimos. Tirar fotos incríveis da última viagem que você fez e postá-las de imediato nas redes sociais. Mostrar como estava delicioso o estrogonofe preparado por sua querida sogra no último domingo. Como os seus bichinhos de estimação são os mais fofos do mundo. A lista cresce sem parar.
Conseguir ficar com aquele gato ou gata cobiçado por todos naquela balada. Tomar de um só trago o maior número de tequilas que conseguir, no campeonato com os amigos, num bar madrugada afora. Se entupir de comida. Na verdade, para se sentir alegria, há uma série de condições que surgem a reboque. Ir à praia quando houver sol. Sair de casa sempre nos fins de semana. Não perder uma sessão cult de cinema para depois deixar os amigos babando com seus relatos.
Se enfiar em shows. Em festas. Em boates e dançar sem parar até a última gota da noite. Jogar vídeo game alucinadamente. Arrasar nas compras no shopping, porque não dá para ser feliz sem devorar as coleções que desfilam nas sedutoras vitrines. Engordar ou emagrecer 20 quilos. Malhar duas horas por dia até o coração pedir arrego, mas por uma boa causa. Exibir-se por aí, com o orgulho lá em cima e o corpo saradíssimo.
Passar o sábado em cabeleireiros, engolindo revistas especializadas em fofocas sobre celebridades, enquanto você venera com os olhos invejosos suas casas de sonho. Comprar um carro novo. Apresentar sem pudor sua conta bancária verde de promessas e de realidades auspiciosas.
Arrumar um marido ou uma mulher rica para casar e aí sim, perceber-se comandando as regras do conforto e da segurança tão essenciais para estruturar seu indestrutível casamento. Ingerir antidepressivos direto, já que ficar triste é brega e o sorriso deve ser buscado a qualquer preço. Ainda que um sorriso vazio. Tão bobo e desajeitado de até cair do rosto.
Surge uma questão. E as outras alegrias, aonde ficam? Elas existem? A felicidade quieta e discreta escondida atrás das janelas. Na penumbra do quarto. Ouvir um som e deixar flutuar a alma. Ler um livro e voar para outros mundos, desvendando paisagens que só a imaginação proporciona.
Observar a mamãe passarinho alimentando conscienciosa os seus quatro famintos filhotes. Depois, na rua, durante um passeio casual, perceber novas flores desabrochando na copa das árvores. Descobrir outra árvore mais adiante toda generosa, repleta de sumarentos frutos.
O leve sorriso do senhor concentrado em sua saudável caminhada matinal. O beijinho atrapalhado entre criancinhas bem pequenas. O vento que namora a sua pele sem reservas e em cumplicidade, ampliando os seus mínimos e grandes prazeres. Mas tudo isso em silêncio. Silêncio esboçado e refletido em quietude plena. Grávida de possibilidades, escondidas nos sutis detalhes da simplicidade cotidiana.
Já experimentou sair de mãos dadas com você, acariciado pelo céu azul e parar para tomar um café expresso, na cafeteria charmosa do bairro vizinho. Quem sabe pedir um croissant e degustá-lo sem pressa enquanto você folheia um livro de poemas. Sorrir para desconhecidos, sem o mínimo interesse a não ser o de espalhar ternuras à sua volta.
Parece que hoje a solidão incomoda, dá mofo na gente. O tédio é um vírus a ser combatido e se olhar no espelho só vale à pena se for para fazer um selfie: aquela foto exuberante de auto amor, que todos os seus amigos precisam acessar e comentar avidamente nas redes sociais.
Ficar alegre sem motivos aparentes é algo meio louco e despropositado. Porque a atualidade nos ensina que o bacana é ter, fazer, agitar. Verbos de pura ação. Deixando de lado os verbos do coração. Aqueles repletos de regozijada, muda e sensível contemplação.
Voltamos à questão inicial. Sua alegria é alegre ou alérgica? Quem sabe se defina por uma saudável mistura de alegrias de dentro com às de fora. Você sabe preservar o que lhe faz bem ou descarta rapidamente tudo, sempre almejando o que lhe falta? Note que aí incluímos pessoas, lazer e objetos de consumo. Talvez seja interessante pensar sobre isso, hein."
"A princípio parece que um termo não tem nada a ver com o outro. Alegria é sentimento. Alergia é sintoma. Mas na realidade os dois frequentemente se misturam. Ou a gente troca um pelo outro sem se dar conta. Os médicos, muitos deles, correm atrás das causas da alergia, e dizem que ela pode resultar de estados emocionais, aflições, angústias.
Podem decorrer de gula extrema por doces, salgados e que tais. Funcionar ainda como uma catarse, se somatizar no corpo. Uma pretensa explosão de alívio na pele, sob a forma de coceiras, que buscamos sem perceber para diminuir angústias, escondidas em um canto bem atrás das nossas cabeças.
Alegria, no dicionário de vida espalhado aos quatro cantos da existência, abrange diversos sinônimos. Tirar fotos incríveis da última viagem que você fez e postá-las de imediato nas redes sociais. Mostrar como estava delicioso o estrogonofe preparado por sua querida sogra no último domingo. Como os seus bichinhos de estimação são os mais fofos do mundo. A lista cresce sem parar.
Conseguir ficar com aquele gato ou gata cobiçado por todos naquela balada. Tomar de um só trago o maior número de tequilas que conseguir, no campeonato com os amigos, num bar madrugada afora. Se entupir de comida. Na verdade, para se sentir alegria, há uma série de condições que surgem a reboque. Ir à praia quando houver sol. Sair de casa sempre nos fins de semana. Não perder uma sessão cult de cinema para depois deixar os amigos babando com seus relatos.
Se enfiar em shows. Em festas. Em boates e dançar sem parar até a última gota da noite. Jogar vídeo game alucinadamente. Arrasar nas compras no shopping, porque não dá para ser feliz sem devorar as coleções que desfilam nas sedutoras vitrines. Engordar ou emagrecer 20 quilos. Malhar duas horas por dia até o coração pedir arrego, mas por uma boa causa. Exibir-se por aí, com o orgulho lá em cima e o corpo saradíssimo.
Passar o sábado em cabeleireiros, engolindo revistas especializadas em fofocas sobre celebridades, enquanto você venera com os olhos invejosos suas casas de sonho. Comprar um carro novo. Apresentar sem pudor sua conta bancária verde de promessas e de realidades auspiciosas.
Arrumar um marido ou uma mulher rica para casar e aí sim, perceber-se comandando as regras do conforto e da segurança tão essenciais para estruturar seu indestrutível casamento. Ingerir antidepressivos direto, já que ficar triste é brega e o sorriso deve ser buscado a qualquer preço. Ainda que um sorriso vazio. Tão bobo e desajeitado de até cair do rosto.
Surge uma questão. E as outras alegrias, aonde ficam? Elas existem? A felicidade quieta e discreta escondida atrás das janelas. Na penumbra do quarto. Ouvir um som e deixar flutuar a alma. Ler um livro e voar para outros mundos, desvendando paisagens que só a imaginação proporciona.
Observar a mamãe passarinho alimentando conscienciosa os seus quatro famintos filhotes. Depois, na rua, durante um passeio casual, perceber novas flores desabrochando na copa das árvores. Descobrir outra árvore mais adiante toda generosa, repleta de sumarentos frutos.
O leve sorriso do senhor concentrado em sua saudável caminhada matinal. O beijinho atrapalhado entre criancinhas bem pequenas. O vento que namora a sua pele sem reservas e em cumplicidade, ampliando os seus mínimos e grandes prazeres. Mas tudo isso em silêncio. Silêncio esboçado e refletido em quietude plena. Grávida de possibilidades, escondidas nos sutis detalhes da simplicidade cotidiana.
Já experimentou sair de mãos dadas com você, acariciado pelo céu azul e parar para tomar um café expresso, na cafeteria charmosa do bairro vizinho. Quem sabe pedir um croissant e degustá-lo sem pressa enquanto você folheia um livro de poemas. Sorrir para desconhecidos, sem o mínimo interesse a não ser o de espalhar ternuras à sua volta.
Parece que hoje a solidão incomoda, dá mofo na gente. O tédio é um vírus a ser combatido e se olhar no espelho só vale à pena se for para fazer um selfie: aquela foto exuberante de auto amor, que todos os seus amigos precisam acessar e comentar avidamente nas redes sociais.
Ficar alegre sem motivos aparentes é algo meio louco e despropositado. Porque a atualidade nos ensina que o bacana é ter, fazer, agitar. Verbos de pura ação. Deixando de lado os verbos do coração. Aqueles repletos de regozijada, muda e sensível contemplação.
Voltamos à questão inicial. Sua alegria é alegre ou alérgica? Quem sabe se defina por uma saudável mistura de alegrias de dentro com às de fora. Você sabe preservar o que lhe faz bem ou descarta rapidamente tudo, sempre almejando o que lhe falta? Note que aí incluímos pessoas, lazer e objetos de consumo. Talvez seja interessante pensar sobre isso, hein."
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