O IPEA errou. Errou, assumiu o erro e pediu desculpas, esclarecendo:
“Vimos a público pedir desculpas e corrigir dois erros nos resultados de nossa pesquisa ‘Tolerância social à violência contra as mulheres’,
divulgada em 27/03/2014. O erro relevante foi causado pela troca dos
gráficos relativos aos percentuais das respostas às frases ‘Mulher que é
agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar’ e ‘Mulheres que
usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas’”.
Resumindo, os dados de uma pergunta eram, na verdade, referentes a uma outra questão. O
Instituto comete erros. Não é o único. O IBGE, o Banco Central, o INEP e
todos os outros órgãos responsáveis por divulgar dados, todos, sem
exceção, vez por outra são obrigados a publicar erratas em suas
publicações, retificando ou o número em si, ou títulos de tabelas, ou
outros tipos de informação.
Embora o erro faça parte do trabalho
de qualquer pesquisador, e rotinas de validação existam para diminuir
sua ocorrência, o fato é que a cobrança da sociedade sobre um erro é bem
vinda e deve ser enfrentada com humildade.
Para começar, é
preciso reconhecer que o erro do IPEA foi maior por conta da repercussão
nacional e até internacional que o dado incorreto alcançou.
Isso
caiu como uma bomba sobre a cabeça dos jovens pesquisadores
responsáveis pelo estudo, que são pessoas sérias. Sempre mereceram e vão
continuar merecendo o respeito pelo trabalho que realizam há muitos
anos na instituição.
O erro do IPEA está corrigido. Mas e o erro
de quem, desavisadamente, acha que, desfeita a troca dos números, agora
está tudo bem? Não, senhoras e senhores, não está tudo bem.
Se
está tudo bem, por que será que o número de estupros no país está
crescendo e já superou o de assassinatos, conforme informação do mais
recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública?
Está tudo bem,
então, no país do “estupra, mas não mata”? Será? Mesmo com mais de 50
mil mulheres estupradas em 2012, número mais de 18% superior ao de
número 2011, agora podemos ficar tranquilos?
Detalhe: o número
absurdo de estupros não considera os casos em que as vítimas deixam de
relatar o ocorrido - por vergonha, por medo da reação da família, por
receio de que alguém ache que elas não souberam “se comportar”.
O dado de estupros em 2013 vem aí. Quem fará a piada? Quem vai curtir com isso?
Desde
que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, em 2006, o número de
agressões contra mulheres, relatadas ao serviço “Ligue 180”, cresceu
600%.
A cada hora, duas mulheres, vítimas de abuso, dão entrada em unidades do Sistema Único de Saúde. Alguém ainda acha pouco?
Está
tudo bem no país que concorda que, “em briga de marido e mulher,
ninguém mete a colher”? Há quem diga: "Ora, bolas! Isso é só um dito
popular, como outro qualquer". Sim, um dito popular como “serviço de
branco”. Só um dito popular?
Está tudo bem no país que acha que a mulher que é agredida e continua com o parceiro é porque gosta de apanhar?
O IPEA errou, mas quem comemora o erro está redondamente enganado.
(*) Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do IPEA.
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