"Teoria Marxista pode prever fim de Game of Thrones?
Se aplicarmos o materialismo histórico a Westeros, torna-se possível
diagnosticar o enredo da temporada cinco e seis
Por Paul Mason, The Guardian. Tradução: Mariana Carneiro, Esquerda.net
Mas por que tantos desses mundos secundários assemelham-se ao feudalismo em crise? Desde Tolkien e CS Lewis, a criadores de mundos interestelares como Frank Herbert em Dune, e agora o próprio Game of Thrones, os mundos de fantasia mais bem-sucedidos não invocam apenas as armadilhas do feudalismo – reis, tortura e julgamento por combate – mas a própria crise do feudalismo.
Na moderna fantasia científica há sempre uma crise do sistema: tanto da ordem económica como das auras de poder – a magia – que delas emanam. Há, na teoria literária, até mesmo um termo técnico para esta crise: “thinning“. Na sua Encyclopaedia of Fantasy, John Clute e John Grant definem “thinning” como “a ameaça constante de declínio”, acompanhado de um luto omnipresente e sentido de injustiça no mundo.
Como Westeros prepara os seus abdominais tonificados no ginásio e depilados para a quinta temporada, o processo de “thinning” está no bom caminho. Existe a invasão do mundo espiritual a partir do norte gelado; há uma revolta de escravos por mar.
Mas há claramente também mais desgraça sistémica que paira sobre a economia de Westeros. A dominante família Lannister obteve a sua riqueza possuindo a maior parte das minas de ouro. A moeda de Westeros é trimetálica: há moedas de ouro, prata e cobre, sendo que o seu valor varia conforme o metal que contêm – e não depende de um banco central e da sua “promessa de pagar” como na vida real.
O problema é que, na quarta temporada, o mais importante dos Lannisters, Tywin, soltou uma bomba: as minas de ouro não produzem há três anos. Adicionalmente, os Lannister devem uma tonelada de dinheiro para algo chamado Banco de Ferro. “Todos nós vivemos na sua sombra”, diz Tywin, “mas nenhum de nós sabe disso. Não pode fugir deles, não pode enganá-los e não pode influenciá-los com desculpas. Se lhes deve dinheiro, e não quer ser destruído, paga-lhes”.
Se isto faz lembrar a Grécia e o Banco Central Europeu, é só porque o seu impasse atual replica a mudança de poder essencial que aconteceu no final do feudalismo: dívidas acumuladas no âmbito de um sistema de clientelismo corrupto, cujas fontes de riqueza secou, destruíram o sistema no final.
Se aplicarmos o materialismo histórico a Westeros, o enredo da temporada cinco e seis torna-se possível prever. O que aconteceu com o feudalismo, em que os reis se encontraram em dívida para com os banqueiros, é que – em primeiro lugar – eles tentaram resolver o problema com o poder destituído. Edward III, na vida real, prendeu os seus banqueiros italianos na Torre de Londres, até que estes renunciassem das suas dívidas.
Mas, eventualmente, o poder do comércio começou a esmagar o poder dos reis. O feudalismo deu lugar a um capitalismo baseado em comerciantes, banqueiros, pilhagem colonial e comércio de escravos. O dinheiro de papel surgiu, assim como um sistema bancário complexo para amenizar problemas como a sua mina de ouro que estava a secar.
Para que isso aconteça é necessário o Estado de Direito. É preciso que o poder dos reis se sujeite ao direito constitucional, e seja imposto um código moral às empresas, comércio e vida familiar. Mas isso não vai acontecer em Westeros, onde o estilo de vida da elite é sinónimo de estupro, pilhagem, mortes arbitrárias, tortura e sexo recreativo.
Então, do que Westeros necessita não é uma invasão de lobisomens do norte gelado, mas a chegada de um novo tipo de ser humano: eles devem vestir-se de preto, com golas de renda branca, rostos severos e uma aversão ao sexo e bebida. Numa palavra, Westeros precisa de capitalistas – como aqueles que desaprovaram puritanamente os retratos holandeses no século 17. E eles devem, como na República Holandesa e na guerra civil inglesa, iniciar uma revolução.
Mas isso não pode acontecer no mundo secundário da fantasia científica. O processo de “thinning” nunca pode terminar; deve ser perpétuo para que o conceito do drama funcione.
Há uma razão para que a fantasia científica adote o conceito de um feudalismo que está sempre em crise, mas nunca é derrubado. Ele forma a paisagem ideal para dramatizar os desejos secretos dos povos que vivem sob o capitalismo moderno.
A geração de Tolkien – marcado pela guerra em escala industrial – ansiava os valores de heroísmo e misericórdia associados ao combate cara-a-cara do passado. Para William Morris, cujo romance socialista utópico News From Nowhere desenrola-se num Hammersmith quase medieval, a aspiração era de perícia, arte, belos objetos individuais – uma fuga da brutalidade da produção industrial em massa.
Historiadores sociais futuros, olhando para trás sobre a popularidade de Game of Thrones, não terão muita dificuldade em decifrar os desejos íntimos da geração viciada na série. Eles são: “todos os anteriores” mais sexo com vários parceiros.
Presos num sistema baseado na racionalidade econômica, todos nós queremos o poder de ser algo maior do que o limite do nosso cartão de crédito, ou a nossa função profissional. Ninguém fica em casa a assistir a estes dramas imaginando ser um mero escravo, camponês ou empregada de bar: somos convidados a fantasiar que somos personagens como Daenerys Targaryen, uma bela mulher com dragões domesticados, ou Jon Snow, o bonitão com a barba por fazer que ninguém consegue matar.
Cabe à psicologia social explicar a popularidade duradoura da fantasia, e a sua evolução para pornografia e violência sádica. Tudo o que economia política pode fazer é apontar as contradições e assinalar onde elas conduzem.
Então, em algum momento na temporada cinco ou seis, eu prevejo que os Lannisters vão cair, como aconteceu aos feudalistas, a não ser que descubram um território até então desconhecido, cheio de ouro e de pessoas que se exterminem facilmente, assim como a monarquia espanhola fez durante a crise do feudalismo no mundo real.
Foi sempre um mistério saber se há uma terra a oeste, através do mar de Westeros. A minha suspeita é: tem de haver, e alguém vai ser em breve destacado para encontrá-la."
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