Amor não é para qualquer um. É preciso disposição para ser ridículo e uma boa dose de sandice


Lara Brenner, Revista Bula

"Um dia, você se pega ali, ouvindo a previsível batida daquele coração, e a certeza do amor vem como uma bigorna gentil. Vocês, que fizeram pactos silenciosos e promessas não ditas, na mais pura e singela devoção, agora estão deliciosamente presos pela liberdade que decidiram compartilhar. Existe uma nudez serena entre vocês, transcendendo a pele ansiosa e alcançando a alma faminta, numa dança singular.

Há dias em que nem terno preto ao som de Marcha Fúnebre disfarça o brilho de uma grande descoberta. Dias em que dançar pelado, sem quê nem porquê e ao som do silêncio, faz tanto sentido quanto se cobrir do frio ou lavar o rosto cansado. Descobrir o amor é assim. Ele começa apaixonado, estabanado, procurando a medida exata daquilo que ainda não conhece bem. Confunde a mente, chora inseguro, faz alvoroço, como uma criança birrenta, e, num pávido anúncio publicitário, berra “cheguei, querido, agora não tem pra ninguém”.

O amor judia um pouco antes de virar adulto. Às vezes, faz as malas e vai embora, prematuro, incompreendido, quando a incongruência não se transpõe.

Mas, se resiste forte, conhece a calmaria e descobre a redenção, e a certeza de sua chegada se espalha como um mar de plenitude nos corações jubilados pela graça sossegada que só um sonho bom consegue desenhar.

O mundo melhora quando alguém começa a amar. Quem ama de verdade emana bondade, frescor paciente, calma sincera. Quem ama de verdade é ridículo o tempo todo, seja na fala mansa de contentamento, ou nos versos espontâneos que surgem quando se dá à filosofia sobre o mundo, a vida, ou qualquer singeleza que subitamente lhe desperte poesia.

Amor é passagem só de ida. Ao chegar, revolve tudo até se acomodar. Cura feridas, limpa mágoas, seca lágrimas, até que bate as mãos e se instala feliz na tranquilidade que conquistou. Uma vez bem alojado, demanda esforço e atenção, num prazeroso cuidado que dispensa migalhas e só se serve de verdade se for da quitanda inteira.

Se um dia acontece de partir, fica a certeza de que ele foi infinito enquanto durou. O coração que tanto se deu carregará para sempre a tatuagem da história vivida. Não é para qualquer um, amigo, não é para quem quer. Amor não tem volta. A entrega exige coragem e uma boa dose de sandice.

Quisera eu todo mundo amasse muito, sempre e cadenciadamente. Quisera houvesse mais canções a quatro mãos, alegria dividida e sinergia compassada. Seria o mundo menos caótico e os homens, certamente mais longevos.

Amor não tem definição, tempo, lugar, nada. Tentaram Houaiss, Camões, Paulo de Tarso, Vinícius e o mundo inteiro. Tento eu, tentamos nós, e ele sorri esquivo na certeza de sua fluida escapada de sucesso. Por ele, sempre valerá a pena lutar, escrever uma crônica piegas e… viver!"

Ilustração: Paul Hedley
 

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