Fabio Hernandez, DCM
"E então alguém fala de você. Tantos anos se passaram, não é? Éramos adolescentes e estávamos descobrindo aquela coisa ao mesmo tempo gloriosa e miserável chamada paixão. Ao ouvir seu nome, que em outros tempos teve o poder de me tirar o fôlego e o equilíbrio, empreendi uma viagem no tempo. Vi você menina que se tornava mulher: olhos verdes que enfeitiçaram a mim e a quase todos os meus amigos, o sorriso confiante de quem não teme obstáculos, a alegria soberba de quem é jovem e imagina que jamais vai deixar de ser.
O que eu sei é que você estava maravilhosa. A menina mais linda da festa. Ainda que houvesse concorrência, eu não tinha olhos para mais ninguém. (Ao escrever isso, me vem à cabeça uma canção romântica americana: I Only Have Eyes for You. Eu queria que esta coluna tocasse essa música tão bela e tão melancólica.) Eu só tinha olhos para você. E então você me chamou para dançar. Se eu não fosse tão inseguro, se não me achasse tão menor e pior que você, acho que já teria percebido seu interesse por mim. O convite para a festa fora uma pista e tanto. Sábado à noite. Ninguém convida ninguém para uma festa sábado à noite sem um motivo claro. E então vejo a mim mesmo naqueles dias: um carro velho emprestado por meu pai. Roupas herdadas de meu irmão. E o andar ligeiramente trôpego de quem tem uma perna uns dois centímetros menor que a outra. Tudo isso e mais o sonho tornado vão de escrever livros como os de Graham Greene.
Só acreditei que você sentia alguma coisa por mim quando nos beijamos. Acho que partiu de você a iniciativa. Todas as iniciativas partiram de você. O começo e o fim. A retomada frustrada. A dedicatória de um livro na qual você dizia que era impossível me entender. Mas não quero lembrar momentos tristes. Meu desejo é recapitular aquela festa. O beijo. O primeiro de verdade. Não podia ser verdade. Tento encontrar palavras que descrevam a minha sensação de triunfo quando os nossos lábios se uniram, mas todas as que me ocorrem parecem diminutas diante da enormidade daquilo que me assaltou a alma. Rio agora diante do pensamento de que a reação mais lógica que eu poderia ter depois do beijo era, simplesmente, dizer obrigado.
Alguém diz seu nome, tanto tempo depois. E eu tolamente a reconstruo garota. Não, o tempo não desfez aquele frescor, aquela maciez, aquela beleza clássica. Não, a vida não frustrou seus sonhos ingênuos de menina. Não houve dor, não houve sofrimento, não houve separação, não houve perdas para você. Não houve doença. Fico pensando nessas coisas bobas e não alcançáveis. Por um instante acredito que o tempo parou, magicamente, quando você era a menina mais linda de todas. Talvez seja meu agradecimento desajeitado a tantos momentos sublimes que você me proporcionou. Talvez seja apenas mais uma tolice entre tantas que tenho feito e escrito."
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