por Fernando Brito, Tijolaço -
Embora tragicamente óbvio, é para pensar o texto do alemão Philipp Lichterbeck, que viveu até recentemente no Brasil e escreve na agência estatal de notícias da Alemanha, a Deutsche Welle. Em que estamos nos tornando, sob os “hospícios” da mídia, da elite dirigente, e de interesses políticos e de uma casta jurídica – bacharéis idiotas, intelectuais de concurso – que, para derrubar uma sequência de governos progressistas, nos fazem viver o paradoxo de termos um estadista na cadeia e um imbecil no poder.
A inteligência tornou-se um crime nestas terras, enquanto durar o tempo do orgulho de ser burro.
Brasil, um país do passado
Philipp Lichterbeck, na DW Brasil
É sabido que viajar educa o
indivíduo, fazendo com que alguém contemple algo de perspectivas
diferentes. Quem deixa o Brasil nos dias de hoje deve se preocupar. O
país está caminhando rumo ao passado.
No Brasil, pode ser que isso seja
algo menos perceptível, porque as pessoas estão expostas ao moinho
cotidiano de informações. Mas, de fora, estas formam um mosaico
assustador. Atualmente, estou em viagem pelo Caribe – e o Brasil que se
vê a partir daqui é de dar medo.
Na história, já houve momentos
frequentes de regresso. Jared Diamond os descreve bem em seu livro
Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Motivos
que contribuem para o fracasso são, entre outros, destruição do meio
ambiente, negação de fatos, fanatismo religioso. Assim como nos tempos
da Inquisição, quando o conhecimento em si já era suficiente para tornar
alguém suspeito de blasfêmia.
No Brasil atual, não se grita
“herege!”, mas “comunismo!”. É a acusação com a qual se demoniza a
ciência e o progresso social. A emancipação de minorias e grupos menos
favorecidos: comunismo! A liberdade artística: comunismo! Direitos
humanos: comunismo! Justiça social: comunismo! Educação sexual:
comunismo! O pensamento crítico em si: comunismo!
Tudo isso são conquistas que não são questionadas em sociedades progressistas. O Brasil de hoje não as quer mais.
Porém, a própria acusação de
comunismo é um anacronismo. Como se hoje houvesse um forte movimento
comunista no Brasil. Mas não se trata disso. O novo brasileiro não deve
mais questionar, ele precisa obedecer: “Brasil acima de tudo, Deus acima
de todos”.
Está na moda um anti-intelectualismo
horrendo, “alimentado pela falsa noção de que a democracia significa que
a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento”, segundo dizia o
escritor Isaac Asimov. Ouvi uma anedota de um pai brasileiro que tirou o
filho da escola porque não queria que ele aprendesse sobre o cubismo. O
pai alegou que o filho não precisa saber nada sobre Cuba, que isso era
doutrinação marxista. Não sei se a historia é verdade. O pior é que bem
que poderia ser.
A essência da ciência é o
discernimento. Mas os novos inquisidores amam vídeos com títulos como
“Feliciano destrói argumentos e bancada LGBT”. Destruir, acabar,
detonar, desmoralizar – são seus conceitos fundamentais. E, para que
ninguém se engane, o ataque vale para o próprio esclarecimento.
Os inquisidores não querem mais
Immanuel Kant, querem Silas Malafaia. Não querem mais Paulo Freire,
querem Alexandre Frota. Não querem mais Jean-Jacques Rousseau, querem
Olavo de Carvalho. Não querem Chico Mendes, querem a “musa do veneno”
(imagino que seja para ingerir ainda mais agrotóxicos).
Dá para imaginar para onde vai uma
sociedade que tem esse tipo de fanático como exemplo: para o nada. Os
sinais de alerta estão acesos em toda parte.
O desmatamento da Floresta Amazônica
teve neste ano o seu maior aumento em uma década: 8 mil quilômetros
quadrados foram destruídos entre 2017 e 2018. Mas consórcios de
mineradoras e o agronegócio pressionam por uma maior abertura da
floresta.
Jair Bolsonaro quer realizar seus
desejos. O próximo presidente não acredita que a seca crescente no
Sudeste do Brasil poderia ter algo a ver com a ausência de formação de
nuvens sobre as áreas desmatadas. E ele não acredita nas mudanças
climáticas. Para ele, ambientalistas são subversivos.
Existe um consenso entre os
cientistas conhecedores do assunto no mundo inteiro: dizem que a Terra
está se aquecendo drasticamente por causa das emissões de dióxido de
carbono do ser humano e que isso terá consequências catastróficas. Mas
Bolsonaro, igual a Trump, prefere não ouvi-los. Prefere ignorar o
problema.
Para o próximo ministro brasileiro do
Exterior, Ernesto Araújo, o aquecimento global é até um complô marxista
internacional. Ele age como se tivesse alguma noção de pesquisas sobre o
clima. É exatamente esse o problema: a ignorância no Brasil de hoje
conta mais do que o conhecimento. O Brasil prefere acreditar num
diplomata de terceira categoria do que no Instituto Potsdam de Pesquisa
sobre o Impacto Climático, que estuda seriamente o tema há trinta anos.
Araújo, aliás, também diz que o sexo
entre heterossexuais ou comer carne vermelha são comportamentos que
estão sendo “criminalizados”. Ele fala sério. Ao mesmo tempo, o Tinder
bomba no Brasil. E, segundo o IBGE, há 220 milhões de cabeças de gado
nos pastos do país. Mas não importa. O extremista Araújo não se
interessa por fatos, mas pela disseminação de crenças. Para Jared
Diamond, isso é um comportamento caraterístico de sociedades que
fracassam.
Obviamente, está claríssimo que a
restrição do pensamento começa na escola. Por isso, os novos
inquisidores se concentram especialmente nela. A “Escola Sem Partido”
tenta fazer exatamente isso. Leandro Karnal, uma das cabeças mais
inteligentes do Brasil, com razão descreve a ideia como “asneira sem
tamanho”.
A Escola Sem Partido foi idealizada
por pessoas sem noção de pedagogia, formação e educação. Eles querem
reprimir o conhecimento e a discussão.
Karl Marx é ensinado em qualquer
faculdade de economia séria do mundo, porque ele foi um dos primeiros a
descrever o funcionamento do capitalismo. E o fez de uma forma genial.
Mas os novos inquisidores do Brasil não querem Marx. Acham que o contato
com a obra dele transformaria qualquer estudante em marxista convicto.
Acreditam que o próprio saber é nocivo – igual aos inquisidores. E, como
bons inquisidores, exortam à denúncia de mestres e professores. A obra
1984, de George Orwell, está se tornando realidade no Brasil em 2018.
É possível estender longamente a
lista com exemplos do regresso do país: a influência cada vez maior das
igrejas evangélicas, que fazem negócios com a credulidade e a esperança
de pessoas pobres. A demonização das artes (exposições nunca abrem por
medo dos extremistas, e artistas como Wagner Schwartz são ameaçados de
morte por uma performance que foi um sucesso na Europa). Há uma negação
paranoica de modelos alternativos de família. Existe a tentativa de
reescrever a história e transformar torturadores em heróis. Há a
tentativa de introduzir o criacionismo. Tomás de Torquemada em vez de
Charles Darwin.
E, como se fosse uma sátira, no
Brasil de 2018 há a homenagem a um pseudocientista na Assembleia
Legislativa de Mato Grosso do Sul, que defende a teoria de que a Terra
seria plana, ou “convexa”, e não redonda. A moção de congratulação
concedida ao pesquisador foi proposta pelo presidente da AL e aprovada
por unanimidade pelos parlamentares.
Brasil, um país do passado.
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