“E se o louco for você, e não o resto do mundo? E se
as pessoas não tivessem mais medo dos malucos? E se ninguém jamais teve coragem
de lhe contar toda a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade? E se
os seus medos forem adotivos? E se a verdade o libertasse, como previsto nos
textos sagrados, o que você faria com ela: escreveria um livro, plantaria
bananeiras no meio da rua, teria um filho com uma prostituta?
E se Papai Noel ficasse gagá e esquecesse os
presentes? E se os presentes à festa se rebelassem contra o bom velhinho,
internando-o num hospício? E se o passado ficasse solenemente enterrado no
passado e parasse de interferir tanto no presente? E se a memória não judiasse
mais da gente? E se você tivesse chegado lá segundos antes? E se tivesse
chegado segundos depois? E se a morte fosse comemorada como um gol de placa?
E se os lactentes exigissem leite desnatado tipo A,
enriquecido com ômega 3, diretamente das tetas maternas? E se os filhos da mãe
parassem de roubar o erário, sobraria mais recurso para o leitinho das
crianças? E se houvesse vagas suficientes nos presídios para tantos
delinquentes? E se alguém criasse uma CPI numa pizzaria, as investigações
acabariam em quê: num prato de salada ou numa pilha de processos?
E se soubéssemos cantar o Hino Nacional Brasileiro, de
cor e salteado, como se fosse “Parabéns Pra Você”? E se dependêssemos menos do
mercado internacional do que da pinga? E se o mercadinho da esquina vendesse
ilusões, qual seria o percentual de inadimplência da clientela? E se os
pregadores religiosos fossem pregados numa cruz? E se fossemos criados à base
de gemada, Biotônico Fontoura, vermífugos e toda a verdade nua e crua? E se os
vermes desistissem de roer cadáveres, haveria espaço na história para tantas
covas?
E se nascesse um camelo com três corcovas, de quem
seria a culpa: do efeito estufa, dos legumes transgênicos, do acidente
radiológico em Fukushima, da profecia maia ou, simplesmente, dos gametas
aloprados da mamãe-camelo e de um adolescente? E se os tarados usassem viagra,
morreriam de overdose? E se nós os liquidássemos, prescrevendo-lhes cápsulas de
cicuta para se curarem da disfunção erétil? E se o Homem evoluísse um pouquinho
e se transformasse num réptil? E se ninguém mais rastejasse a suplicar pelo
amor de outrem? E se eu andar muito na linha e o trem me atropelar?
E se não houvesse mais tinta nas gráficas para
imprimir esta avalanche de livros descartáveis? E se os acadêmicos imortais
fossem condenados a pagarem Imposto de Renda para sempre, abdicariam da imortalidade?
E se, ao invés de escrever um livro, todo homem ou mulher de bem se livrasse de
um livro ruim, arrancando-o da própria biblioteca e doando para uma pizzaria
com forno à lenha?
E se fosse permitido por lei hipotecar a própria
sogra? E se houvesse vacinas para evitar a contração de matrimônios? E se toda
a mágoa de um relacionamento falido saísse pela urina, como se fosse água? E se
os filhos fossem poupados do melodrama de seus pais separados? E se estarmos
juntos não for nada disso? E se os adultos deixassem de amedrontar as crianças
com tantas bobagens? E se viver em família for pior que ser criado por uma
loba, tal e qual sucedeu a Rômulo e Remo? E se torcedores de Remo e Paissandu
se abraçassem ao final de uma partida de futebol no Pará?
E se Deus se arrependesse de ter feito o Homem a sua
imagem e semelhança, como é que a gente saberia? E se ele alegasse sob os
holofotes da irrisória justiça terrena que toda semelhança é mera coincidência?
E se os porquês parassem de alimentar as dúvidas? E se a hóstia consagrada
contiver glúten?
E se houver vida noutro planeta e este planeta for
pior que o nosso, para onde correr? E se algum profeta marcar uma data muito
longinqua para um novo apocalipse, quem suportaria tamanha expectativa? E se
Jesus voltar? E se a inflação galopante voltar? E se a Gretchen voltar a
rebolar nas tardes domingueiras?
E se o guarda de trânsito tivesse déficit de atenção? E
se eu parasse de tomar ritalina? E se a meretriz Vitalina exigisse copular
somente sob carteira assinada, como sói ocorre nos países desenvolvidos? E se,
apesar de tanto desenvolvimento, os homens se envolvessem menos com as
meretrizes? E se todas as manhãs, além das ereções reflexas, eu tivesse uma
puta ideia?
E se os velhos se rebelassem contra o título de “melhor
idade” e saíssem em passeata sem o uso de andadores? E se as demais pessoas —
além dos enfermeiros, médicos e papa-defuntos — realmente se interessassem
pelos mais velhos? E se as piadas velhas não morrerem? E se eu enterrasse você
na areia? E se eu escrevesse nela um verso do Drummond, e você o lesse antes
que a onda viesse nos lamber? E se, traído por uma foto na estante, eu me
apaixonasse por alguém que já morreu?
E se os recursos financeiros para propinas não forem
suficientes para concluir falcatruas e estádios de futebol até a Copa do Mundo
de 2014? E se os elefantes brancos — não bastasse o fato de já serem albinos —
voassem? E se a tromba da Roberta Close ressuscitasse? E se as gerações futuras
concluírem que o futebol era o nosso ópio? E se o Joãozinho Sem Braço fizesse
justiça com as próprias mãos? E se eu quebrasse uma vidraça do Congresso: seria
preso ou condecorado? E se faltasse pão nas padarias e palhaços nos circos,
seria o fim da política?
E se uma amante sifilítica aparecesse com um chester
(ou uma winchester 73) na sua casa durante a ceia de Natal? E se o Zorro
desmascarasse você na revelação do amigo oculto? E se você alegasse que foi
motivado pelas forças ocultas? E se você dissesse a verdade, mesmo que tivesse
boas chances para mentir? E se todos acreditarem que, ao invés de estar falando
a verdade, você surtou durante os festejos natalinos?
E se eu parasse de especular tanto, de
encher páginas e mais páginas com dilemas insolúveis? E se você me desse um
tiro? E se as balas voltassem rapidinho para os canos fumegantes que mataram
JFK, Luther King, John Lennon, Hitler e um passarinho pousado sobre a cerca? E
se o mundo, na verdade, não existisse e tudo não passasse de um pesadelo
terrível do Criador?”
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