Emerson Damasceno, Blog do Emerson
Damasceno / Terra Magazine
“Um episódio recente no Brasil, envolvendo uma adolescente que tirou
fotos íntimas com o namorado, as quais posteriormente acabaram vazando para a
Internet, mostra muito mais de nós, usuários das mídias sociais, do que dela
mesmo, a principal vítima.
Não citarei pormenores ou dados,
obviamente, mas o vazamento das fotos semana passada se tornou uma
"febre" e histeria nas mídias sociais, principalmente Twitter,
Facebook e blogs, virando uma espécie de meme online (uma tendência que se multiplica
e transmite com uma velocidade assustadora).
O destaque principal e preocupante do fato
é que não faltaram piadas com a moça. Num átimo, as mesmas mídias que tanto
criticam os "caretas", os carolas e qualquer um que não tenha um
pensamento mais moderno, começaram a tratar a vítima como se ela fosse uma
Joana D'arc atual, digna de ser queimada numa fogueira binária dos
neofundamentalistas desta era digital. Algo surreal para um ambiente onde ser
chamado de "virgem" é um dos xingamentos usuais que os próprios
usuários costumam destilar.
Embora as mídias sociais online tenham a
forte característica de serem transgressoras, quando algum fato em tese mais
"avançado" vira um meme, elas se encarregam de adquirir uma forte
tendência conservadora. Causa espanto quando até o próprio fato deixa de ter
muita importância, sendo relevante apenas o meme em si. Se você for perguntar
para muitos dos participantes que aderiram à onda, alguns sequer poderão
explicar o porquê de estarem linchando alguém publicamente sem ao menos saber a
idade, os motivos e as conseqüências de seus atos. Em determinado momento, o
próprio meme adquire ares de metalinguagem, onde falando bem ou mal de
determinado assunto, ninguém efetivamente deixa de falar sobre ele.
Há inúmeros casos ao redor do mundo de
jovens que tiram a própria vida após serem vítimas desse tipo de bullying. O
que os difere dos demais jovens que online se juntaram em coro para essa
violência online? Na maioria das vezes, apenas a má sorte de terem sido a
vítima da vez, visto que ninguém acaba efetivamente imune a ter alguma forma de
ato público ou privado exposto dessa forma online. Nada há de muito diferente
na conduta privada de todos, salvo que algumas foram gravadas e de alguma
maneira chegaram ao público através da Internet. É como se alguém fosse culpado
de extrema má-sorte, uma espécie de sadismo inexplicável para os milhares de
adultos - alguns até bastante conhecidos nas mídias sociais – que
igualmente aderiram a este caso mais recente, sem ao menos se preocupar com o
fato de talvez estarem cometendo um crime tipificado no Código Penal
Brasileiro, ao espalhar imagens de sexo do que parecia ser uma menor de idade.
Nesse e demais casos, a posição do
Ministério Público pode ser determinante. Da mesma forma que a estudante Mayara
Petruzo ficou intimamente ligada ao combate ao preconceito contra o Nordeste,
esse tipo de crime digital que envolve menores, somente poderá ter algum freio
quando alguns dos envolvidos, tanto no vazamento como na propagação, tenham uma
sanção legal para servir de exemplo, caso contrário ainda continuará no limbo
que é quase parte do DNA do inconsciente coletivo da Internet, de que muitos
atos são impunes e inerentes à uma terra sem lei, o que não é verdade.
A grosso modo, as mídias sociais, de tempos
em tempos, se transformam em um coliseu moderno, sedento de sangue, onde o
público se empanturra da desgraça alheia, sem questionar a razão dos escravos
estarem ali sem vontade própria, mas tão somente obedecendo ao polegar dos
césares. Uma dicotomia absurda quando vemos estas mesmas mídias produzindo o
bem prodigamente. Mas vale ressaltar, entretanto, que as ações positivas e
"do bem", ocorrem em maior número e velocidade que ações
negativas como a relatada neste texto, sendo que estas acabam tendo maior
repercussão porque destoam de uma regra, o que não deixa de ser positivo.
A Internet também tem uma forma de
auto-regulamentação, onde vários arbítrios cometidos online são combatidos
pelos próprios usuários, como que para equalizar uma tendência. Isto se vê de
forma clara em notícias políticas, ou mesmo em casos de injustiças flagrantes. Nesse
diapasão, este texto, por exemplo, que tem a humilde pretensão de dar um pouco
de clareza num mundo ainda tão intrigante, questionando um "hype" momentâneo,
pode surtir algum efeito positivo futuro. Esperemos todos que sim.”
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