Nossa mudança é para igual


Edival Lourenço, Revista Bula

“Mudanças estonteantes acontecerem nas últimas décadas. No mundo e em nosso país. Fora daqui, o império soviético esboroou-se, o muro de Berlim veio abaixo e o encantamento com o marxismo desidratou-se. A aplicação prática do socialismo científico parece ter ficado restrita a algumas bibocas do mundo. Às vezes com nomes surreais como república popular ou revolução bolivariana. A Europa aglomerou-se num bloco e assim, um país agarrado ao outro, ficou muito pesado para alçar voo. Perdeu desempenho, numa sinergia invertida, onde a soma das partes se tornou menor que o todo.  

Sem a oposição do império soviético, a megapotência americana perdeu o vento contrário e parece ter ficado sem traquejo para o voo, feito uma pipa que desaba durante a calmaria. No vácuo do cochilo americano um gigante se levanta de repente. Sem vencer nenhuma guerra, sem anexar faixas de território a seu país, a China vem enfrentando uma das maiores potências da história (lembre-se, em outros tempos eles enfrentaram os mongóis de Gengis Khan) num dos campos preferenciais do inimigo: a indústria de manufatura.

Em trinta anos (tempo em que não demos conta de fazer a Ferrovia Norte-Sul) a China saiu da condição de um país ferrado pelo atraso e pelo regime socialista para se tornar um país de infra-estrutura pra lá de moderna  e ser a segunda potência pelo critério PIB — Produto interno Bruto. E para vir a ser a primeira em questão de tempo. Muito pouco tempo. Ano passado perambulei um mês pela China. Isso não me dá nenhuma legitimidade para posar de entendido de China, pois se trata de uma sociedade extremamente complexa para a cabeça de um curioso ocidental. Mas de uma coisa eu tive certeza: nunca vi um povo tão certo de que agora chegou sua hora e vez.

Por aqui, não ficamos imunes ao surto de ditaduras que assolou a América Latina nos anos 60. Numa perfeita contradição à vida real. Pois foi exatamente nos anos 60 que os movimentos libertários jovens ganharam forças no velho mundo.

A vida no campo se tornou inviável para quem não tinha terra. Leis trabalhistas, incentivadas  pelas pastorais da terra, teologia de libertação e tal, tornaram impossível a convivência do agregado com o fazendeiro. Por essas outras, em 40 anos nossa demografia passou de 80% da população no campo e 20% na cidade, para a situação de 20% no campo e 80% da cidade.  Numa perfeita e desgraçada inversão do Diagrama de Pareto.

Desgraçada porque o governo, ou a sociedade, sei lá, não havia se preparado minimamente para receber na cidade essa leva de campesinos bisonhos. Um enorme cinturão de marginais (não meliantes por opção, mas pessoas que vivem à margem de um país que mal e mal acompanha o andamento da dança).

A ditadura caiu de podre, mas a democracia que a sucedeu foi em parte açambarcada pelas mesmas lideranças do velho regime (Sarney que o diga). A democracia nascente veio tomada por basicamente dois tipos de equívocos: de um lado, a liberdade exagerada, em contraposição ao velho regime, ensejando a prática da corrupção e o crime geral sem castigo. Tudo consubstanciado numa constituição detalhista. Por outro lado, o entulho autoritário de antigas práticas a espoliar o povo, num regime político que muito se aproxima do velho coronelismo, no entanto travestido de democracia representativa.

Chegamos a um estagio social sui generis, tudo na base da precariedade: saúde precária, educação precária, preservação ambiental precária. Ficamos sem aceleradores para o crescimento, um país circunscrito às condição de fornecedor de commodities. Sem freios para as ações delituosas, onde o direito de ir e vir é exercido plenamente pelos meliantes e as pessoas honestas são trancafiadas em grades e cercas elétricas. E os homens do poder abiscoitam o mais que podem e se protegem em carros blindados e processos com um rosário infinito de recursos.

Na prática seguimos a noção oligárquica de Lampedusa, no romance “O Leopardo”: tudo deve mudar para que tudo fique como está.”  

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