Todas as mulheres
deveriam ter quatorze anos.
Nelson Rodrigues
Nelson Rodrigues
“Como era mesmo o nome dela? Lembrava da
saia do colegial, dobrada na cintura para parecer mais curta, até a madre
superiora aparecer do nada, “Desce a saia, arruma as meias”. Quantos anos ela
teria? Quatorze. Os cabelos quase lisos desciam até os ombros, quando não
estavam presos num rabo de cavalo com elásticos que ela conseguia no
almoxarifado. O servente oferecia canetas, apontadores, cadernos pautados,
elásticos, qualquer coisa que ela pedisse. Devia ser por causa da saia dobrada
ou dos olhos castanhos amendoados. Os cílios. Em lugar do sutiã, usava uma
camiseta sem mangas e, encoberta pela camisa da escola, uma medalhinha num
cordão de ouro. Como era mesmo o seu nome? Ela carregava os livros e cadernos
junto ao peito, antes de começar a usar fichários. Sua letra era apressada,
abreviava as palavras ditadas pelo professor de ciências, mordia a ponta do
lápis, fazia círculos na última página do caderno, espirais, estrelas. Eu me
sentava atrás dela, ainda usava bermudas e meu rosto era coberto por um óculos
de grau e meia dúzia de espinhas. Garotos assim apenas admiram e se apaixonam.
E eu olhava pra ela na fila da cantina e depois quando jogava pingue pongue, a
raquete e o sanduíche que ela comia pelas beiradas, virando o pão em sentido
circular, hábito que, por ela, acabei adquirindo por toda à vida. Não era boa
aluna, mas não acumulava notas vermelhas. Tinha uma amiga muito gorda, cujo
apelido era este, que sabia seus segredos. Muitas vezes vi a Gorda segurando
sua mão, enquanto ela chorava no recreio. Por que ela chorava? Como era mesmo o
seu nome? Daria tudo para lembrar. Onde eu sentava podia sentir o perfume que
vinha dos seus cabelos, o perfume da nuca visível. Não era de frasco nem
sabonete, isso eu tinha certeza. Era o cheiro da sua pele que fugia do alcance
do corpo e se espalhava pela sala inteira, como um jasmineiro. Um dia ela pediu
minha borracha emprestada, que entreguei com as mãos trêmulas. Ela devolveu
minutos depois, com o desenho de um coração vermelho. “Você se importa?”,
perguntou, enquanto eu olhava a borracha, o coração arredondado, flechado por
uma seta. Eu era muito jovem para adivinhar se havia ou não algum tipo de
malícia naquele rosto, os cílios inocentes, a pele quase morena. Ela devia ter
quatorze anos, as meias desabando perna abaixo, a saia plissada azul marinho dobrada
na cintura.
Debaixo da saia, as coxas.”
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