“Sim. O grande buraco deste País é a burocracia. A
grande parceira da corrupção, que permeia todos os setores da sociedade, é sem
dúvida a burocracia. Nossa burocracia é principialista. Está na base e anterior
a tudo. Se todos os trâmites burocráticos forem cumpridos, não importam as
consequências.
Pouco importa se determinada ação trará resultados
positivos ou negativos para as partes (fornecedores, clientes, sociedade). O
que importa é que os trâmites burocráticos foram cumpridos. Mesmo que para isso
tenha ficado pelo caminho uma esteira de derrotados, prejudicados, defuntos,
lesados, enriquecidos imoralmente e tantos outros entulhos do atraso que nos
acomete.
Nossa burocracia é sofisticada: é o controle, do
controle, do controle. É como se fosse uma pilha de buracos, um dentro do
outro, como uma coleção de potinhos de plástico da Tapware. Na verdade, uma
coleção de arapucas, com seus gatilhos prontos para serem disparados a qualquer
momento. O gatilho mais recorrente dessa maldição é oferecimento de
dificuldades para vender facilidades.
Falo de algo nada filosófico. Mas de uma experiência
pessoal. Há alguns anos iniciei um empreendimento que requeria licenciamento
ambiental. O laudo final requeria aprovações intermediárias do IBGE, das Forças
Armadas, da Prefeitura Municipal, do Ibama, da Agência Ambiental do Estado, de
uma secretaria de estado que já nem me lembro o nome. Só não me pediram
exame de fezes, tipo sanguíneo e uma declaração de religiosidade convicta
fornecida pelo bispo, em papel timbrado da Santa Sé.
Firmei o taco no princípio de não comprar facilidades.
Estava disposto a atender a todas as exigências, custasse o que custasse.
Mas foi tanto imbróglio, que em muitos momentos pensei em desistir: não do
empreendimento, mas do princípio de não comprar facilidades. Tanto chá de
gaveta, tanta exigência maluca, proposta indecente, tanto pedido de propina... Teve
até um sequestro, com pedido de resgate e tudo. Supostos policiais florestais
chegaram ao empreendimento num instante em que meu encarregado procedia uma
adubação. Os policiais alegaram que ele foi pego em flagrante delito de
poluição ambiental. Me ligaram pedindo um resgate para libertá-lo e não
proceder a lavratura da denúncia do suposto crime. Para me livrar deles,
inventei que era amigo de uma autoridade da corregedoria e que iria consultá-la
sobre o padrão do procedimento e a lisura da conduta. Desistiram com a
recomendação verbal de “tomar cuidado!”.
Quando superei essa fase de licenciamento, confesso
que já estava um tanto desanimado em tocar o empreendimento. Por um tempo
pensei que a experiência me serviria como inspiração literária, em alguma trama
rocambolesca. Depois concluí que era imprestável por ser inverossímil. Somente
pessoas que teriam passado pelo terror de uma experiência semelhante me dariam
crédito.
Vi recentemente um vídeo no YouTube em que demonstra
que de tudo que um trabalhador produz, só 27% fica com ele. O resto, 73%, fica
com o Estado. O mesmo Estado que não consegue atender à sociedade com
segurança, educação, saúde, investimento em infraestrutura. Um
país que tem tudo para ser de vanguarda e vive comendo a poeira da retaguarda
da história.
Certamente porque a corrupção desvia tudo,
usando a logística da burocracia. Ou melhor: do Buraco & Cia.”
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