“Que o deputado Marco Feliciano seja o novo
presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara é uma
contradição: é como colocar à frente das políticas contra a violência de gênero
um cara que bate na mulher
Jean Wyllys, Brasil 247
Graças ao jogo de interesses entre os
partidos da base aliada, é quase certo que o pastor e deputado Marco Feliciano
presidirá a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Esse fato não é escandaloso --e eu não me
oponho a ele-- pelo simples fato de ele ser pastor. Se o deputado Marco
Feliciano fosse um pastor identificado com a garantia dos direitos humanos e da
dignidade das minorias estigmatizadas, não haveria problema algum e eu não
faria qualquer oposição.
Acontece que o deputado Marco Feliciano é
um inimigo público e declarado de minorias estigmatizadas e tem um discurso
público que estimula a violação da dignidade humana desses grupos.
Como pode presidir uma comissão de direitos
humanos e minorias um deputado que disse que o problema da África negra é
"espiritual" porque "os africanos descendem de um ancestral
amaldiçoado por Noé", revivendo uma interpretação distorcida e racista da
Bíblia, que já foi usada no passado para justificar a escravidão dos negros?
Como pode presidir uma comissão de direitos
humanos e minorias um deputado que se referiu à Aids como "o câncer
gay"? Um deputado que defende um projeto de lei para obrigar o Conselho
Federal de Psicologia a aceitar supostas "terapias de reversão da
homossexualidade" anticientíficas e baseadas em preconceitos.
Um deputado que quer criminalizar o povo de
terreiro e enviar pais e mães de santo à cadeia por rituais religiosos que
estão presentes nos mesmos capítulos da Bíblia que ele usa para injuriar os
homossexuais?
Ele lê a Bíblia com um olho só. Um deputado
que apresentou um projeto para anular diversas (boas) decisões do Supremo
Tribunal Federal, entre elas a sentença que reconhece as uniões homoafetivas
como entidades familiares.
Na verdade, para ser justo, o acordo
realizado para dar a presidência da CDHM ao PSC, com ou sem Marco Feliciano, já
era um grave problema. Trata-se de um partido que fez campanha definindo a
família de uma maneira que exclui não só gays e lésbicas, como também as
famílias monoparentais, as com filhos adotivos e tantas outras. Trata-se de um partido
que defende posições fundamentalistas que vão contra os direitos de muitas das
minorias que essa comissão deve proteger.
Eu me formei num cristianismo que acolhe os
diferentes, respeitando sua dignidade. Eu me apaixonei na juventude por esse
cristianismo que deu origem à Teologia da Libertação, que participou da luta
contra a ditadura e que nos deu grandes referências.
O PSC, lamentavelmente, não tem nada a ver
com isso. E Marco Feliciano menos ainda! Que ele seja o novo presidente da
comissão é uma contradição: é como colocar à frente das políticas contra a
violência de gênero um cara que bate na mulher.
É isso que milhares de brasileiras e
brasileiros estão sentido nesse momento: que a Câmara bateu neles. Em nós
--confesso que eu também senti. Às vezes, me pergunto o que estou fazendo aqui.
Mas depois vejo a mobilização de milhares de pessoas para impedir essa loucura
e penso: é isso que estou fazendo, tentando representar aqueles que, como eu,
sempre receberam mais insultos e porradas que direitos e estima! Saibam que não
estão sozinhos! Luta que segue!”
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