Oiti

“Foi horrível o dia em que derrubaram a árvore ― árvore, diga-se de passagem, sem nome. Uma operação da prefeitura cuidava de arrancar tudo o que estava podre por dentro e perigava cair. Época em que uma chuva mais forte com ventania resultava em carro, moto esmagada e algumas centenas de árvores destronadas.

Daí, fizeram um cordão de isolamento. Primeiro eles iam cortando os galhos mais altos, depois, na vez da polpa ainda carnuda do tronco, a serra elétrica era empunhada com tanta força que parecia se tratar de questão de vida ou morte. E era.

A árvore esquecida tornara-se a estrela principal do dia. Depois, já imaginava subir a rua sentindo sua ausência como algo com que enfim me habituaria. Afinal, a árvore mais acima, que também fora cortada, já era uma lembrança tão espatifada quanto a da vez.

O ruído do corpo caindo, assim de chofre, foi um baque profundo para quem ouviu e viu tudo assim de cima, e nem um grito haveria de salvar o que já se perdia no ar. A árvore logo de frente... foi quase uma suicida sem escolha, atirada do alto. A rua parou para assistir ao espetáculo e algumas horas depois ― fato consumado ― ninguém mais se lembraria do tronco nanico e farelento que restou. O vento se encarregou das últimas folhas, que se confundiram com outros restos da cidade.”
Elisa Andrade Buzzo, Digestivo Cultural / Foto: Nina Jacobi
Crônica Completa, ::Aqui::

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