Dignidade no Shopping

"Nesses dias de Natal, não quero lembrar por quê, fui ao shopping. Fui, e comecei a circular, o que no shopping é uma forma de andar. Circulo e circulo, enquanto rumino coisas que para mim mesmo não estão claras. Penso em beber, ah, como cairia bem um chope no shopping, como desceria bem o líquido sobre uma garganta sem eloqüência. Então, súbito, cai sobre mim um som belo, lindo, que não identifico de imediato de onde vem. Sim, é Natal, mas não estou dentro de um conto de Dickens. Então, de onde vem essa beleza que escuto, perdido num mundo de mercadorias?

“Eu preciso descobrir

a emoção de estar contigo

ver o sol amanhecer

como um dia de domingo...”

Olho, estou em frente a um restaurante aberto, e as pessoas bebem e comem e gargalham e batem copos e fazem pedidos com escândalo, aos gritos, possessas e porcas. Mas ainda assim a beleza resiste por sobre o mar de insensibilidade:

“Eu preciso respirar

o mesmo ar que te rodeia

e na pele quero ter

o mesmo sol que te bronzeia ...”

Então eu descubro de onde vem esse sopro de Dickens. Uma pianista velha toca solenemente a um canto. Ela não toca, vejo, ela desce os dedos com uma gravidade, com uma rigidez quase de mármore duro, como se fosse uma estátua que apenas movesse os dedos. Para quem toca essa velha pianista? Para que coração ela se dirige diante de uma barreira de barbárie?

“Eu preciso te tocar

e outra vez te ver sorrindo

e voltar num sonho lindo...”
Urariano Mota, Direto da Redação
Artigo Completo, ::Aqui::

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