Pequeno balanço ao sabor das ondas

“Recebi algumas mensagens indignadas com a colocação de A encarnação do demônio entre os dez melhores de 2008, e, principalmente, porque disse ser o melhor filme brasileiro do ano. É bem natural que as pessoas, contaminadas com o realismo ou, mesmo, o naturalismo, que assolam o cinema nacional, reajam dessa maneira. A onda politicamente correta, que tanto detesto, tomou conta, por via transversa, da cinematografia que se faz por aqui. Tudo deve estar muito certinho, o tema é bem recebido quando nobre, a existir, nele, uma mensagem. Já disse aqui inúmeras vezes que o valor cinematográfico de um filme se encontra na maneira de o realizador articular os elementos da linguagem cinematográfica. E o elo sintático (a linguagem) tem que estar de acordo com o elo semântico.

O cinema como arte deve ser delirante, ainda que possa, também, ser realista. Os grandes filmes brasileiros são frutos de delírios, a exemplo de O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla, Terra em transe e Deus e o diabo na terra do sol, ambos de Glauber Rocha, entre tantos outros, embora haja espaço, no panteão nobre dos grandes eleitos, para o realismo, por exemplo, de Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, entre outros.

José Mojica Marins, no meu entender, segundo melhor juízo, é o único cineasta brasileiro que não dançou conforme a música, e se manteve fiel a seu estilo, à sua imaginação, aos seus devaneios, imprimindo-os no registro das imagens em movimento de A encarnação do demônio. Ano passado tivemos o excelente Jogo de cena, de Eduardo Coutinho, e Santiago, de João Moreira Salles, dois documentários que se destacaram entre os ficcionistas pelo talento de seus realizadores, pela inventiva na abordagem temática, ainda que não sejam obras propriamente delirantes. O que desejo para este ano vindouro é que os filmes nacionais estejam mais aproximados dos delírios mojiquianos do que para o realismo tout court dos que procuram investigar a realidade brasileira com ferramentas de um sociólogo de beira de estrada (Linha de passe é o exemplo mais marcante).”
André Setaro, Terra Magazine
Artigo Completo, ::Aqui::

Comentários

Recomendado para Você..