Leia trecho do romance 'Terrorista', de John Updike

"O romancista John Updike, um dos grandes nomes da literatura norte-americana morreu nesta terça, aos 76 anos, de um câncer no pulmão, segundo informou seu editor Alfred A.Knopf. Leia trecho de seu romance Terrorista, lançado no Brasil em 2007. Na obra, o escritor conta a história do jovem Ahmad, filho de pai árabe e mãe irlandesa-americana, que vive o dilema de ter de escolher entre seguir o conselho de um professor de sua escola, um judeu nem um pouco religioso, que o instiga a estudar para entrar na faculdade, ou entrar para um grupo de terrorismo internacional ligado a atentados suicidas por influência do xeique Rashid, imã da mesquita que ele costuma frequentar.

Demônios, pensa Ahmad. Esses demônios querem tomar de mim meu Deus. O dia inteiro, na Central High School, as meninas rebolam, debocham e exibem seus corpos macios, seus cabelos sedutores. Os ventres nus, enfeitados com vistosos piercings no umbigo e tatuagens lascivas em roxo, indagam: O que mais há para mostrar? Os rapazes desfilam, blasés e orgulhosos, com olhares mortos, indicando, com gestos violentos de assassinos e risos indiferentes e sarcásticos, que este mundo é tudo que existe - um corredor barulhento, envernizado, cheio de armários de metal e terminando numa parede lisa, profanada por grafites e tantas vezes pintada e repintada que dá a impressão de estar avançando cada vez mais, milímetro por milímetro.

John Updike

Os professores, cristãos débeis e judeus não praticantes, falam palavras vazias sobre a virtude e a honradez do autocontrole, porém seus olhares esquivos e suas vozes insinceras traem sua falta de fé. Eles são pagos para dizer essas coisas, pagos pela prefeitura de New Prospect e pelo governo estadual de Nova Jersey. Ahmad e os dois mil outros alunos os vêem se enfiando em seus carros depois das aulas no estacionamento apinhado, pontilhado de lixo, como tantos caranguejos pálidos ou escuros que voltassem a suas cascas, e são homens e mulheres como quaisquer outros, cheios de concupiscência e medo e paixão por coisas que podem ser compradas. Infiéis, pensam que a segurança está em acumular coisas deste mundo e nas diversões corruptoras da televisão. São escravos das imagens, imagens falsas de felicidade e riqueza. Mas mesmo as imagens verdadeiras são imitações pecaminosas de Deus, o único ser capaz de criar. O alívio por ter escapado incólumes de seus alunos por mais um dia faz com que os professores se dispersem nos corredores e no estacionamento falando alto demais, como bêbados cada vez mais excitados. Os professores caem na farra quando não estão na escola. Alguns têm as pálpebras avermelhadas, o mau hálito e o corpo inchado daqueles que costumam beber em excesso. Uns são divorciados; outros vivem maritalmente sem ser casados. Fora da escola, levam vidas desorganizadas e libidinosas, sem autodisciplina. São pagos para pregar a virtude dos valores democráticos pelo governo estadual, cuja sede fica em Trenton, e por aquele governo satânico mais longe, em Washington, porém os valores em que acreditam são ímpios: biologia, química, física. Quando se trata dos fatos e fórmulas desses assuntos, suas vozes falsas soam firmes e retumbam na sala de aula. Dizem que tudo provém de átomos cegos e implacáveis, responsáveis pelo peso frio do ferro, a transparência do vidro, a imobilidade da argila, a agitação da carne. Os elétrons fluem por fios de cobre, por portas de computador e pelo próprio ar, quando a interação de gotículas de água provoca relâmpagos. Só é verdade aquilo que podemos medir e deduzir a partir de nossas mensurações. Tudo o mais é apenas o sonho passageiro que chamamos de nosso ser."
Agência Estado
Romance (trecho) Completo, ::Aqui::

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