Gramsci - do fundo do cárcere

Fernando Rego (In Memoriam), Terra Magazine

"O silêncio interrompido: gritos, sussurros e conversas. A cela, a solidão. A mosca descrevendo rodopios no espaço. A caneta, o papel e a escrita - asas que o conduzem para fora dos muros e das grades. Escrever compulsivamente, fugir da brutalização carcerária; transformar cada detalhe em material de reflexão: um mundo feito de retalhos, colcha tecida parcimoniosamente por dedos zelosos, a partir de sobras de panos. O resultado salta aos olhos, mosaico colorido: assim são as Cartas do Cárcere, de Antonio Gramsci. Sua leitura exige paciência; aí se escondem mistérios em cada linha, ou apenas em uma palavra, jarro de flores na janela.

Gramsci escreve intensamente sobre política, filosofia e história. No entanto, somente 50 anos após sua morte, seus escritos foram publicados. Analisando todo e qualquer assunto a partir do materialismo histórico, constrói, então, sua teoria e teses. Aqui, interessa-nos as cartas dirigidas à cunhada Tatiana (Tânia), irmã de Giulia. Nelas, derrama Gramsci suas queixas, seu humor cáustico, suas esperanças e cria pequenas rusgas com que parece deleitar-se:

"Recebi sua carta do dia 12 e propus a mim mesmo, friamente, cinicamente, deixá-la enraivecida" (Cartas do Cárcere, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, p. 64).

Mas finaliza: "Não se zangue muito, querida Tânia, quero-lhe um bem enorme e ficaria mesmo desesperado se lhe causasse um desgosto muito grande" (p. 66).

A Tânia também recorre quando dúvidas atormentam-lhe acerca de seu estado psicológico: "Tânia, como médica, você deve me dar um conselho precisamente técnico..." (p. 70). Mas, Gramsci sabe que a dedicação (a servidão) de Tânia provoca transtornos, que a deixam fatigada e mesmo nervosa, uma vez que, por mais que a ele se dedique, não consegue suprir inteiramente suas necessidades. Nesses momentos, Gramsci modifica-se: as cartas passam a abordar miudezas do cotidiano, imaginárias ou reais, como o comportamento dos pardais que, ocasionalmente, lhe fariam companhia. Assim, faz Tânia sorrir.

Gramsci sabia que alguém ligado a ele, como Tânia, estaria sempre envolta em perigo e tensão. Confessava então:

"Cara Tânia, tenho sempre muito medo de que você esteja pior do que escreve e que possa se encontrar em alguma dificuldade. Por minha causa. Este é um estado de espírito que ninguém pode destruir. Está radicado em mim. Sabe que no passado levei sempre uma vida de urso na caverna justamente por causa desse estado de espírito..." (p. 75).

Tânia é, também, para ele, uma aluna, e aluna especial, pois extensão de seu corpo. Por isso mesmo, busca aperfeiçoá-la, fazendo-a sentir e ver como ele próprio:

"Fico satisfeito pelo fato que Milão lhe agrade e ofereça possibilidade de distração. Visitou os museus e galerias? Porque do ponto de vista da estrutura urbana penso que a curiosidade se esgota muito ligeiro..." (p. 86).”
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