A revolução de saber das coisas

Marta Barcellos, Digestivo Cultural

“Uma amiga, de 24 anos, estranhou quando lhe contei ter evitado as palavras "ditadura" e "golpe" ao entrevistar alguns velhinhos para um livro. A nossa conversa, vale ressaltar, aconteceu antes da "ditabranda", infeliz expressão cunhada pela Folha de São Paulo em um editorial, que serviu pelo menos para presenciarmos uma reação dos sempre calados intelectuais brasileiros.

Pois bem. No meu caso, a intenção não era polemizar ou opinar sobre a ditadura. Ao contrário, eu apenas pretendia entrevistar senhores que imaginava serem bem conservadores naqueles anos, e a política servia como mero pano de fundo do assunto principal ― o mercado de capitais da época. Intuitivamente, expliquei à amiga, busquei um termo mais neutro, "regime militar", para formular minhas perguntas, sem que isso representasse um problema para mim nem um risco para o andamento da entrevista. Como ela é recém formada, e eu já tenho uns bons anos de estrada, falei da importância de o jornalista se "mimetizar" em determinadas situações ― defendi que vale apelar para a indumentária, usar jargões, enfim, buscar uma identificação que quebre o "gelo" ou a resistência do entrevistado.

― Mas eu não conseguiria jamais usar a expressão "revolução", porque aí seria demais para mim ― ressaltei. Se o diálogo acontecesse algumas semanas depois, teria brincado que "ditabranda" eu não falaria nem sob tortura.

O fato é que quando mencionei "revolução", o espanto da minha amiga me chocou: ela nunca soube que o golpe militar foi chamado assim por seus idealizadores. Muito menos que a palavra ainda é usada por alguns militares e velhinhos conservadores. Aprendeu nos livros de história todos os detalhes do golpe, e ponto final. Vou falar o quê? Os livros estão corretíssimos, a discussão "golpe ou revolução" tornou-se completamente obsoleta com a vitória final da democracia, mas mesmo assim fiquei pensando se seus professores não deveriam ter destacado a tentativa semântica de dar um cunho popular à ação tramada dentro dos quartéis.”
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