Simplesmente feliz

Marta Barcellos, Digestivo Cultural

“A sensação pode durar segundos. Sim, tudo isso. Do nada, surge uma sensação de plenitude. Você está inteiro, se sente vivo e integrado àquele momento. Ao mesmo tempo, consegue contemplar a si próprio e ao mundo com certo distanciamento, como se estivesse em suspenso. Está cheio de si, mas sem o orgulho bobo das conquistas mundanas ― tanto que nem lhe ocorre exibir aquele sentimento para ninguém. Você guarda em segredo: está feliz.

Aproveite a minha modesta tentativa de descrever o tal momento e desencave do fundo da memória o instante fugidio em que se sentiu assim. Passou, é verdade, e nem lembramos como foi. Provavelmente nos distraímos com uma buzina, uma interrupção qualquer, e nem tentamos guardar um resquício daquela emoção, como se tivesse sido um sonho. Não foi. Todos já nos sentimos assim e por isso andamos por aí como se a tal felicidade estivesse à espreita, alcançável por um lance de sorte, acaso ou destino ― a gosto do freguês e das convicções filosóficas.

Uma dessas ocasiões eu guardei bem na memória, porque a sensação veio junto com uma lufada de ar quente. Eu descia do avião no Santos Dumont, no Rio, antes dos abomináveis fingers de hoje. Tratava-se de uma rotina ― o tal instante de felicidade cisma de aparecer em situações banais. A lufada veio junto com o cheiro de maresia, e ainda era dia; talvez fosse horário de verão. Uma entrevista burocrática em São Paulo acabara se transformando em uma conversa instigante, e me ocorreu, naquela viagem de volta, a máxima: "e ainda me pagam pra isso".
Crônica Completa, ::Aqui::

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