Como se fosse domingo de manhã

Amilcar Bettega, Terra Magazine

“Quando tudo parecia perdido, quando não havia nenhum sinal de saída e a sensação era de que não havia nada mais a fazer, ele sentou para pensar.

Só conseguia pensar sentado. E o primeiro lugar que se apresentou foi um pequeno café com mesas espalhadas por um espaço lajeado e coberto por uma parreira. O sol era forte, fazia bastante calor e a parreira produzia uma sombra falhada. As pessoas iam e vinham com ar descontraído de quem passeia no domingo pela manhã. Talvez fosse domingo. Era quase certo que era de manhã.

Ele sabia pouco sobre o lugar em que se encontrava. Mesmo a língua que ali falavam parecia-lhe bastante estranha. Não se recordava de já ter ouvido sons semelhantes. Há quantos dias andava por ali? Impossível precisar. Talvez semanas, ou mesmo meses ou anos. Até o motivo que o trouxera ali escapava-lhe um pouco.

Mas não era por falta de esforço que a sensação de estar perdido se impunha. Ele até tentava encontrar alguns pontos de apoio para o seu pensamento. Sabia, por exemplo, que fora levado até ali por causa de um objetivo importante, mas que objetivo era este exatamente? Sua memória falhava e isso o irritava. Olhava para a sombra da parreira sobre as lajes quentes de sol e se dizia que sua memória era cheia de buracos como aquela sombra. Talvez tenha sido por isso que formalizara, em pensamento, a idéia já expressa da sombra falhada da parreira. Portanto, desde que sentara e observara a sombra da parreira projetada sobre as lajes já estava refletindo sobre a sua situação. Aquilo era animador e tranquilizava-o um pouco. Aquilo, no caso, era o fato de estar refletindo sobre sua situação, mesmo quando não se dava conta disso.

Também havia aviões que passavam no alto de cinco em cinco minutos produzindo um barulho enervante. Concluiu que o aeroporto não ficava muito longe dali. Ficou contente com sua conclusão. Porém, o barulho continuava presente, e continuava sendo enervante. Mas as pessoas nem davam por isto, elas continuavam, por sua vez, a ostentar aquele ar descontraído de domingo, o que também começava a enervá-lo.”
Artigo Completo, ::Aqui::

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