Silêncio e enternecimento

Fernando Rego (In memoriam), Terra Magazine

I O que o homem contempla através da janela? Nada. Em realidade apenas apóia a testa no caixilho. O pensamento retroage a séculos pretéritos. Ao seu lado um amigo lê o jornal. A menina sobe no banco e olha à sua volta. O homem da janela desperta sua atenção. O bigode cobre-lhe a boca à maneira de uma cortina.

Os deuses brotam do Olimpo como rosas desabrocham para legitimar a vida dos homens. Ao longe, pensa, soa o lamento pela morte dos que tiveram existências breves. A menina esboçou um sorriso, mas, para ele, naquele exato momento, tudo à sua frente inexistia, exceto o mar que ali não estava. O mar, forma arquetípica dos seres vivos e dos mitos onde incautos marujos encontram a morte, já que todas as naus partiram.
Sou advinho do meio-dia, da meia-noite e do meio-dia que é também meia noite; hora velha da iluminação e do silêncio. A minha sabedoria atinge a altura de onde nasce o relâmpago... Errei ao abandonar minha habitação real, o Olimpo. Cruel o meu destino; o outro foi o de Prometeu e do sábio Édipo. Os deuses também podem ser barcos sem porto, perdidos no nevoeiro que sufoca as aves oceânicas, deixando-as exangues, mortas na praia.

É ridículo pensar brandamente. Só os professores conseguem pensar na calmaria. Estes não perdem o juízo porque não têm juízo a perder. Os filósofos profissionais nunca me encontraram; nunca estiveram onde sempre estive: no calvário. Sou o novo Deus. O velho Deus está morto, mas insepulto. Vim para tirar o homem da mesquinhez, do egoísmo e do cotidiano de lesma, no qual procura paz e sossego. Néscio o que acredita na própria consciência como se fosse uma força física submetida às leis da matéria.

Por que me obrigou a dizer, já no seu último suspiro: "Oh! Kriton, devo um galo a Esculápio!"

A menina busca, em vão, a atenção do homem de bigode que a ignora.

Sendo o mais benfazejo, torno-me terrível sonâmbulo. E assim sou o novo anunciador. Talvez o palhaço, não posso ser o santo. A eterna novidade é minha aurora. Faz seis mil anos que preguei anunciando que o novo não envelheceria, mas envelheceu de maneira brilhante como uma explosão estelar.

O homem virou a página do jornal. Antes, olha o companheiro e pergunta: onde você se encontra agora?”
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