No bar

Fernando Rego (In memoriam), Terra Magazine

The old man was dreaming about the lions
Hemingway


"Algumas mariposas em volta da lâmpada e nada mais. Mas as mariposas não a possuíam; possuíam, sim, certas possibilidades limites às quais estavam sujeitas

Nenhum egiptólogo conheceu Ramsés. Eis uma realidade fundamental. Tão real quanto o poste sob o qual voam as mariposas que, por voarem tanto, debilitam-se e morrem. Estas imagens podem ser de um sonho que se repete com freqüência e, conseqüentemente, torna-se realidade; ou, então, representações vistas por outra pessoa que as contempla de uma janela como se fossem de uma tela na galeria: o homem, o poste, as mariposas e o fantasma de Ramsés. Cada coisa em seu lugar a compor uma determinada totalidade. Todavia, um jogo que pode ser interpretado de várias maneiras e todas, por sua vez, verdadeiras.

Sim, mas o que você pretende com essa conversa? - Ela perguntou-me enquanto olhava para o fundo do copo.

Talvez tenha estragado o meu espírito e, agora, esteja dele a zombar. Deste modo, acredito poder reconquistá-lo. Contudo, posso pretender estragá-lo ainda mais, já que me encontro cheio de tristeza. Zombar de nosso espírito é a condição primeira para o entendimento de nossos desejos, bem como um meio de exercitá-los. Criamos paixões e sonhos com os quais preenchemos o indefinido que nos atormenta... O homem deseja. Entretanto, não existe uma maneira apropriada, correta de desejar. Logo, não existe um método para o desejo, tampouco um objeto correto do desejo. Embora não exista um método e uma maneira esmerada de desejar, vivemos para ele. Ignorar esta evidência é viver de maneira camuflada e falsa. Sendo assim, não importa o quanto de trabalho seja despendido para embelezar e conservar esse fictício viver. Ele será sempre oco e presunçoso: uma dissimulada perpetuidade de ser.

Será que precisaríamos abdicar do desejo para encontrarmos repouso? Mas só os santos e Deus não desejam. E, assim, são felizes. Como não somos nem santos nem Deus sofremos duplamente porque estamos condenados a pensar e a desejar. Portanto, podemos ser duplamente destruídos, conduzidos à danação, dado que a realização do pensar e do desejar é acidental. Eis a fonte da tristeza e da infelicidade, habitantes noturnos da alma - que nos aproximam da morte.

Nenhum presságio vem do céu para dar esperança. Contudo, tratamos de sustentar os dias e as noites com um pouco de álcool e de sonho. Vivemos, e depois, se possível, felizes. Conquanto talvez seja inevitável que jamais o consigamos. Ela, atirando o cigarro fora, levantou-se e partiu como só as mulheres sabem partir. Um rapaz falou qualquer coisa na mesa ao lado e, não sei bem o porquê, veio-me à lembrança um trecho da Eneida: "todos temos nossos dias marcados, a vida nos é irreparavelmente breve, fica-nos o encargo de estendermos nosso nome, por meio de nossos feitos".

A cada manhã concebemos uma oração sincera e devota; no entanto, ao cair da tarde, sentimos quão malogrados foram nossos esforços; pensamentos e palavras extraviaram-se com o passar das horas... e não mais sabemos para quem oramos. Só então percebemos que estamos irremediavelmente vivos e perdidos para qualquer tipo de santidade... e nada mais terá força bastante para nos consolar.”
Terra Magazine

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