A sombra de Salinger

Continuação do romance O Apanhador no Campo de Centeio põe em xeque os limites do direito do autor e da criação literária

Lúcia Guimarães, O Estado de São Paulo

Eles foram chegando e se acomodando no fundo da mesa do café parisiense. Emma Bovary magérrima, fumando muito. Jean Valjean com as botas enlamaçadas. Elizabeth Bennet, exausta depois de cruzar o canal, não dava o menor sinal de orgulho ou preconceito. O Príncipe de Salina, Don Fabrizio Corbera, chegou furioso com o siciliano que anda faturando uma fortuna vendendo camisetas com o brasão do Leopardo, pelo site eBay. O grupo então discutiu a pauta da Sociedade de Proteção ao Personagem Literário e examinou um pedido de Holden Caulfield para ser admitido como sócio.

A cena, apesar de imaginária - protagonizada por personagens de Flaubert, Victor Hugo, Jane Austen, Lampedusa e Jerome David Salinger -, traria alguma justiça poética a certas criaturas de papel e letra que não conseguem dormir em paz. Quando Jorge Luis Borges disse que a narrativa literária repousava em não mais do que quatro temas, não estava sugerindo que aspirantes a romancistas se tornassem Macunaímas com preguiça de gestar seus próprios personagens. Mas, um momento: se é que Homero existiu, quem se levantaria em sua defesa, caso ele, denunciando apropriação de seu herói, reaparecesse para pedir a queima de todos os exemplares de Ulisses, de James Joyce?

A decisão de uma juíza federal de Nova York, Deborah Batts, tomada na última semana, ameaça trazer fama a um autor obscuro, residente em Gothenburg, na Suécia. Fredrik Colting, vulgo J.D. California, responde de lá, por e-mail, a perguntas que lhe faço declarando-se "absolutamente chocado". Explico. É fim de tarde em Manhattan e a tal juíza federal acaba de conceder a injunção pedida pelos advogados do escritor J. D. Salinger para impedir a publicação nos EUA de 60 Years Later: Coming Through the Rye, o romance em que o sueco, de 33 anos, decide continuar a saga do lendário Holden Caulfield, protagonista de A Catcher in the Rye (1951) - no Brasil, O Apanhador no Campo de Centeio, obra-chave da literatura norte-americana do século 20. O livro de Colting já saiu na Inglaterra, não foi contestado e parece ter atraído um silêncio crítico ensurdecedor.

O recluso e brigão Salinger - um nova-iorquino que há mais de 50 anos (hoje tem 90) vive escondido na cidadezinha de Cornish, North Hampshire - está surdo e se recupera de uma fratura na bacia. Por seus advogados, que se recusam a fazer declarações à imprensa, acusou Colting de escrever uma "sequência desautorizada", cópia pura e simples de sua obra mais conhecida. O novo livro põe em cena um certo Senhor C., criado por um autor "Salinger", aos 76 anos, fugindo de uma casa de repouso e vivendo nova aventura em Nova York, nos mesmos locais visitados pelo adolescente Caulfield.”
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