Zé Celso: "Rogério Duarte viu tudo antes de nós"

Claudio Leal, Terra Magazine

Fundador do Teatro Oficina, um dos protagonistas da Tropicália no teatro, com peças como "O rei da vela" (1967) e "Roda Viva" (1968), o diretor Zé Celso Martinez Corrêa relata o papel catalisador de Rogério Duarte nos primórdios do movimento. E destaca ainda a importância do escritor Oswald de Andrade para sua geração. "Rogério tinha uma retórica extremamente baiana e poética - e pessoalmente era lindo, dos mais lindos dos anos 60".

Terra Magazine - Como se deu seu contato com a obra de Rogério Duarte, qual é a singularidade dela na Tropicália?
José Celso Martinez Corrêa - Rogério, além de magnífico artista gráfico brasileiro, talvez o maior - fez os cartazes mais lindos de filmes do Brasil -, além dessa arte gráfica em que ele é grande mestre, além de em outras artes ele ser excelente, fez capa de discos, é um gênio da minha geração. Pode-se dizer que a Tropicália começou com uma trindade de bruxos: Helio Oiticica, Rogério, o fotógrafo (Luis Carlos) Saldanha. Saldanha fez até um filme com Glauber, "O câncer". Três inseparáveis amigos. Juntos, eles praticamente começaram a ver tudo antes de nós todos. Eram os três gênios da nossa geração. Eles começaram a conversar, a formular, porque o Rogério tinha uma retórica extremamente baiana e poética - e pessoalmente era lindo, dos mais lindos dos anos 60. Foi logo o primeiro a ser preso, a ser torturado.

Com Ronaldo Duarte.
Ele e o irmão dele. A partir deles, praticamente, Caetano, Gil, eu, Torquato, todas as pessoas, se inspiraram muito naquela amizade deles três. Nem sei te explicar, de uma maneira objetiva, como é que foi, mas sabia que a sabedoria vinha dos três. A gente se aproximava dos três e parecia que recebia a energia da Tropicália, que é retornar... Eu já tinha redescoberto Oswald de Andrade, eu já estava bem pronto pra isso, porque eu tinha acabado de retornar a Antropofagia. Na minha geração e do Rogério, houve exatamente a descoberta do Brasil e do mundo primitivo, a importância que isso passou a ter. A gente aprendia que toda cultura brasileira vinha da Europa, essa lavagem cerebral. E, a partir da montagem do "Rei da Vela", fomos nos conhecendo pessoalmente, porque nos conhecíamos através das nossas obras. Nós retornamos à Idade da Antropofagia e incorporamos toda a cultura índia, negra, africana, a mixagem de tudo. Mas, principalmente, a visão da vida como mito, como repertorização de mitos. Rogério era um grande, não só na obra, como na vida. Era um grande pajé, um grande xamã.

Correto dizer, como Glauber, que por trás de todos havia Rogério?
Tanto que uma vez eu estava na França, vendo uma entrevista do Caetano e Gil... Quando fui ver, só deu Rogério. Os franceses foram na casa do Caetano, toparam com Rogério, o Rogério começou a falar e só deu ele. Rogério costumava ficar atrás, mas quando ele aparecia, não sobrava pra ninguém!

Ele fala que o movimento tropicalista terminou simplificado pela música, pelo Guilherme Araújo...
Claro, porque era muito maior do que isso. Era uma revolução cultural que está até hoje. Ela está ligada ao próprio tempo, à própria mudança. Isso vem da antropofagia, vem do retorno ao neolítico, ao período em que o homem tinha contato direto com as coisas, ligado à tecnologia, mais contemporânea, hoje inclusive à revolução do ciber. Nasceu o Tropicalismo, ele nunca morreu. Depois, durante os tempos da ditadura, ele ficou limitado à música. As gravadoras eram internacionais e conseguiram transmitiam para o mundo, conseguiram furar o bloqueio. As outras artes, então, ficaram irrigadas. As próprias músicas perderam a vibração de quando elas estavam num contexto mais amplo.

Em entrevista, o Rogério diz que o Oswald de Andrade acabou reduzido, de certa forma, ao seu lado folclórico na cultura brasileira. O que acha?
Pra mim, não. Determinou toda a reformulação da arquitetura do Teatro Oficina... Quer dizer, claro que tem gente que não sabe ver, não sabe ler. Oswald de Andrade é sempre uma referência. Ele só aparece nas épocas assim de subversão, muita repressão... O centenário dele aconteceu com muita repressão. Eu mesmo escrevi um texto pra prefaciar e fui censurado. Mas Oswald de Andrade é maravilhoso. É tão grande quanto ele, tão grande quanto Rogério, é uma antena extraordinária. Considero um dos maiores filósofos do mundo, o único filósofo original brasileiro. Agora, é visto com superficialidade por quem é superficial, quem não sabe interpretar as coisas.”

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