A tortura do medo

André Setaro, Terra Magazine

"A tortura do medo" ("Peeping tom", 1960), de Michael Powell, quando lançado na Inglaterra, apesar de assinado por um cineasta famoso, recebeu as mais severas críticas e o público, incomodado, se retirou das salas, a ponto de comprometer a carreira de seu diretor, que ficaria anos sem poder exercer a sua profissão pela recusa sistemática dos produtores. Na verdade, esta obra-prima, que trata do "voyeurismo", incomodou os britânicos pela sua franqueza de exposição e pela habilidade de colocar o espectador na mesma posição de "voyeur" de seu personagem principal, um assassino que se compraz em matar mulheres para ver, nelas, o medo estampado no rosto enquanto estão a morrer e sendo filmadas pela sua câmara portátil. O espectador gosta de ser cúmplice de determinadas situações, quando, por exemplo, o personagem não tem ciência do perigo que corre, mas já sabido pelo público que é, pelo cineasta, "avisado" com antecedência. Em "Um corpo que cai" ("Vertigo"), obra-prima do cinema e de Hitchcock, a platéia já sabe que Judy é Madeleine, mas o apaixonado James Stewart continua ignaro da situação. Em "Peeping Tom", Powell, num ato de audácia, faz com que o espectador seja confundido com um assassino e tenha, também, o prazer de um "voyeur".

Desprezado pela crítica e pelo público, "Peeping Tom" precisou esperar mais de uma década até que foi redivivo nos anos 70 e considerado, por realizadores e críticos como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich, Claude Beylie, entre tantos, uma obra-prima. Scorsese, inclusive, chegou a comprar o negativo em 35mm para restaurar o filme em suas cores magníficas. Com o advento do DVD, a Criterion (distribuidora que somente lança obras luminosas e bem definidas) distribuiu "Peeping Tom" no mercado americano. A Silver Screen, embora não mantendo a qualidade das cópias da Criterion, lançou, há dois anos, o filme no Brasil. É um acontecimento importante para o cinema e para quem gosta de cinema já que o circuito comercial, honradas as exceções de sempre, impõe ao mercado o lixo cultural oriundo da indústria americana.

Mark Lewis (interpretado por Karl-Heinz Boehm, conhecido como o imperador, marido de Romy Schneider, na série "Sissi") é um jovem "cameraman" que vive, para cima e para baixo, com sua câmera portátil 16mm debaixo do braço. Tem prazer em filmar, com ela, as prostitutas que o abordam na rua e matá-las com um estilete dissimulado no pé da máquina. Para aumentar seu prazer, ele mostra a suas vítimas, no momento crucial, um espelho parabólico que reflete a imagem de seu pavor na hora exata de morrer. Ele faz confidências à vizinha (interpretada por Anna Massey, que, mais de dez anos depois, em 1972, Hitchcock, quando filmou em Londres seu extraordinário "Frenesi"/"Frenzy", a convidou para o papel da namorada de Jon Finch, vítima de estrangulamento pelo "serial" Barry Foster - e não a dúvida que o mestre se influenciou muito no filme de Powell em "Frenzy") e exibe, no seu quarto, através de um projetor 16mm, para ela, os filmes amadores feitos pelo seu pai, um psiquiatra que utilizava o filho como cobaia para estudar a reação das pessoas diante do medo. Interessante observar que o pai (visto nos filmes projetados em preto e branco) é interpretado pelo próprio Michael Powell. Renomado psiquiatra tem como objetivo a investigação do pavor no ser humano. O filho passa a infância sendo filmado a toda hora e a qualquer momento. O que lhe provoca nada menos que um imenso trauma. Seu gosto perverso pelo "voyeurismo" vem daí.”
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Peeping Tom

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