Jornalismo de fraldas faz fraudes

Paulo Ghiraldelli Jr., Observatório da Imprensa

“Ou eu fiquei melhor ou o jornalismo ficou burro. Quando jovem, eu lia o Claudio Abramo na Folha de S.Paulo e me deliciava. Que maravilha de dignidade e que texto saboroso. Agora, abro a Folha ou o Estadão na internet e não consigo terminar nenhum texto, eles me expulsam. Para não jogar farpas ao vento, dou exemplos.

Bruno Yutaka Saito, do Blog Cinema da Folha, começa o seu texto:

"Ontem levei minha mãe para ver Sempre ao Seu Lado, `o´ filme de cachorro da temporada. Do mesmo jeito que nesta época temos a Xuxa na telona ou filme francês com o Mathieu Amalric, o gênero filme fofo com bichinhos tá aí para nos fazer debulhar em lágrimas." (30/12/09)

Ao ler isso, exclamo quase que involuntariamente: piedade Senhor, ele não sabe o que faz! O estilo é insuportável: que coisa mais desagradável a fórmula "levei minha mãe"! Ora, fui ao cinema com minha mãe e ponto final, acabou. Achar que mãe é um pedaço de carne boba, que é necessário ser levado para lá e para cá, é irritante. Além disso, que coisa mais chata isso de ir trabalhar com a mãe, ou seja, ir ao cinema para escrever a coluna da Folha e, então, dar a desculpa de "levar a mãe" ou usar do serviço para sair com a mãe. A colônia nipônica se reúne para ver filmes japoneses e eu, o jornalista descendente de japoneses, levo também a minha mamãe lá, e sabe-se lá se ela quer ir. Tinha de fazer o serviço e ao mesmo tempo "dar atenção" para minha mãe no final do ano – é assim que soa o texto (ao menos para mim, ora, eu sou um leitor só, mas sou leitor).

Feito isso, cometo o erro terrível de colocar no mesmo saco, ou seja, na mesma frase e de modo equalizador, filmes como Sempre ao seu lado e a feiurinha da Xuxa. Aí já não estou mais no erro de estilo, mas no tropeço do resumo forçado. Isto é, tenho de dizer para o dono do jornal que não trabalhei só um dia, mas que assisti a muito outros filmes; então, numa frase só eu embrulho três filmes para dar a impressão que vi todos e pincei um. Essa ânsia de escrever para o dono do jornal, de modo burocrático, e não para o leitor, gera o monstrengo do destaque acima. Há dezenas de outros exemplos desses dois problemas em outros textos dos grandes jornais. Peguei o do Bruno porque ele reunia no mesmo texto dois dos problemas que queria comentar.

Agora, um destaque sobre a falta de assunto e a ironia tola. Na mesma edição da Folha, o artigo de Hélio Schwartsman.

"Agora que o Brasil virou potência mundial e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi escolhido o homem do ano pelos jornais Le Monde e El País, só resta a nós colunistas prorrogarmos indefinidamente nossas férias, já que não há mais dificuldades a resolver nem, portanto, problemas a comentar." (30/12/09)

Deveria haver uma placa na Redação dos jornais, bem acima da porta:

"Caso você queira ser irônico para parecer superiormente blasé, não entre para trabalhar."
Artigo Completo, ::Aqui::

Comentários

Recomendado para Você..