Um aspecto da resistência

Orlando Margarido, CartaCapital

“O cinema do veterano Alain Resnais surge, com as exceções de regra numa carreira longeva, de onde menos se espera, com uma atitude por vezes consequente, por vezes trivial. É do domínio em lidar com o inesperado, portanto, que trata esse cineasta quando o espectador se debruça sobre filmes como o inaugural Noite e Neblina (1955), sombria incursão aos campos de concentração. Assim como também domina o banal no recente Medos Privados em Lugares Públicos, que, à moda parisiense dos pequenos redutos cinéfilos, persiste com sucesso numa única sala paulistana.

Resistência também significativa por ser esse um retrato de descompassos amorosos, conceito de predileção do mestre nas duas últimas décadas. Tanto assim que Resnais reincide agora, aos 87 anos, com Ervas Daninhas, programa obrigatório a partir do dia de Natal para quem quiser constatar até que ponto é possível fazer cinema do quase nada e do inusitado. É a estas categorias que se presta o título do filme, mais acertado em sua acepção original. Les herbes folles refere-se a plantas que brotam onde menos teriam chance de se desenvolver, seja na rachadura de um muro, seja numa fissura no pavimento da rua. E lá está a imagem do verde rompendo o asfalto logo nas cenas iniciais.

Daí crer que um corriqueiro roubo de uma bolsa possa gerar um manifesto do amor louco, obsessivo, vai muito da disposição do público em ser enlaçado pela história. Mas Resnais, claro, acredita e nos apresenta o fato e seus desdobramentos sem jamais duvidar da plausibilidade deles. Ao fato. Marguerite (Sabine Azéma, mulher e atriz recorrente do diretor) é vítima de um ladrão quando sai com sacolas de uma butique. Georges (o também predileto André Dussollier), pouco depois, encontrará no chão de um estacionamento a carteira furtada. O que poderia ser concluído com um simples ato de devolução torna-se um estado de fixação para Georges, marido e pai aparentemente feliz que se encanta com a foto da dona e suas credenciais de dentista e aviadora. O modo como o personagem expressará o interesse ao perseguir seu objeto de fascínio e de como este reagirá é o que leva o filme a desdobrar-se em caminhos inusitados, com Georges valendo-se desde recursos habituais em um flerte até atitudes violentas, enquanto Marguerite permanece entre excitada e assustada. O desfecho não contraria a tendência do inesperado e se mostra coerentemente surreal.

Instigado pelo universo em que se tem exercitado desde Smoking/No Smoking (1993), trabalho que o recuperou de uma má fase, Resnais experimenta aqui um apanhado de gêneros, sem se fixar em algum, como a comédia amalucada, o suspense e o filme romântico cafona. Essa opção paga seu preço numa irregularidade que por vezes afasta a atenção do espectador, mas também suscita bons momentos, a exemplo das figuras apatetadas da dupla de policiais (Mathieu Amalric e Michel Vuillermoz). É inegável, contudo, o talento do diretor francês em impelir o olhar da plateia para territórios cinematográficos menos confortáveis e ativar seu imaginário.”
Foto: Alain Resnais
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