O paradoxo burguês

Elias Thomé Saliba, CartaCapital

“Na história das sociedades, leis e normas estão encaixadas numa cidadela maior, batizada com uma palavra muito falada, pouco entendida e ainda menos praticada, a ética. Mas existe uma história daquelas regras sociais furtivas que se originaram do convívio cotidiano e, mesmo não codificadas em leis e regulamentos, formaram uma pequena ética, ou seja, uma etiqueta. É o que afirma o historiador e professor de Direito da Universidade de Paris Frédéric Rouvillois em A História da Polidez, de 1789 aos Nossos Dias (Grua, 544 págs., R$ 69), uma ampla sondagem das mudanças e variações nas regras de etiqueta, incluindo costumes, modos, boas maneiras e rituais de savoir vivre.

Não é uma história fácil de fazer, já que as fontes são limitadas. Na ausência de regras escritas, Rouvillois colecionou centenas de manuais de decoro e livros de etiqueta publicados, em sua maioria, após a Revolução Francesa. Isto porque o radicalismo dos protagonistas de 1789 representou o mais profundo golpe na polidez aristocrática do Antigo Regime. “Não há mais senhores, apenas cidadãos”, proclamaram os mais radicais entre os revolucionários republicanos. É um período curto, no qual os modos elegantes passam a ser malvistos e há a tentativa de proibir até mesmo o tratamento por vós, já que todos seriam iguais e deveriam tratar-se por tu.

O revolucionário Robespierre, que pessoalmente não apreciava grosserias gratuitas, foi o mentor de uma onda do “civicamente correto” e de uma antipolidez jacobina, iniciando obsessiva caça às palavras interditas na fase mais radical da Revolução. Os tratamentos por “senhor” ou “madame”, tidos como resíduos do feudalismo, foram obrigatoriamente substituídos por “cidadão” ou “cidadã”. Gerlet, no seu Pensamentos Republicanos Destinado a Todos os Dias do Ano, para Uso das Crianças, de 1794, propôs a extinção de termos como “lacaio” ou “doméstico”, substituindo-os por “homens ou mulheres de confiança”, aqueles que “o destino ordenou servir a seus iguais”. Foi um momento de crise do savoir vivre e refluxo da polidez, que durou até a ascensão de Napoleão Bonaparte, quando a burguesia iniciou uma reação a esta “antipolidez jacobina”. Embora não seja homogêneo, esse período, que se estende até a Primeira Guerra Mundial, pode ser considerado a idade de ouro da polidez burguesa.”
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