Palavrão também é gente

Ana Elisa Ribeiro, Digestivo Cultural

“Não sei qual deles veio primeiro: o nome de certa parte do corpo do macho, especialmente quando em riste e bem agressiva; o apelido ofensivo à profissão atribuída à mãe de alguém; ou a interjeição tão suficiente que se diz quando qualquer categoria de coisa acontece. Essa interjeição designa a mesma mãe profissional, só que recém-saída do trabalho de parto. Não sei mesmo qual desses xingamentos aprendi primeiro. Também não me recordo quem foi meu professor ou professora. O que considero é que foi tudo sempre muito útil. Às vezes melhor até (e mais barato) do que terapia.

Meus pais não falam palavrão. Minha mãe vai morrer com a boca limpa. Meu pai, quando bêbado, arremete contra alguém (em geral algum time de futebol) qualquer coisa que lembra uma palavra de baixo calão, mas nada que chegue a horrorizar quem está por perto. Então só posso ter aprendido a falar palavrão "na rua", como se diz (como se só a rua fosse o lugar dos acontecimentos mais baixos). Dado que minha lembrança mais antiga de palavrão vem lá dos meus anos escolares, acho que foi lá, na escola, que aprendi os primeiros balbucios ofensivos e, mais importante, aprendi a usá-los, em caso de necessidade. Há pessoas que sequer esperam a necessidade aparecer. Homens, em geral (desculpem os mais educados), utilizam xingamentos em situações diversas, inclusive para cumprimentar amigos.

O motivo desse esforço de memória é que, há poucos dias, mais uma vez, presenciei uma discussão toda envolvida em pompa e circunstância, na sala de reuniões de professores de uma escola de ensino médio: adotar ou não certo conto de determinado escritor importante brasileiro para alunos do primeiro ano. Assim que percebi o assunto em pauta, acionei minha planilha em que registro, na lembrança, quantas reuniões desse tipo já presenciei em minha carreira (pouco rodada) de professora, em todos os níveis de ensino. Parei de contar assim que a discussão mais acirrada começou.

Lá pelas tantas, alguém pediu minha opinião. Prefiro mantê-la guardada nesses casos que podem gerar polêmicas gratuitas, mas já que me acionaram, lá vou eu. Fui objetiva: Acho que certos riscos não valem a pena. O escritor é importante, o texto é bom, a literatura é maravilhosa, mas se adotarem o conto, estarão adotando também a encrenca que se seguirá. Antes de ensinar certas literaturas, é preciso dar cursos para as famílias dos alunos. Como isso não vai acontecer, peço apenas que não me convoquem para a reunião de pais que se seguirá à adoção dessa peça literária.”
Artigo Completo, ::Aqui::

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