Nossa compulsão pela certeza e a loteria secreta

Edival Lourenço, Revista Bula

"Sem muita certeza eu arriscaria a afirmar que as maiores necessidades humanas são a manutenção de sua integridade biológica, a geração de descendentes e a redução, se possível a zero, das incertezas. Assim nesta ordem. Aliás, o instinto de manutenção parece ser uma pulsão que permeia a toda a natureza.

Spinoza intuiu que uma pedra quer ser uma pedra, um rio quer ser um rio, uma árvore quer ser uma árvore, um vírus quer ser um vírus, uma barata quer ser uma barata, um canário quer ser um canário, um crocodilo quer ser um crocodilo, um jumento quer ser um jumento, um homo sapiens quer ser hum homo sapiens, embora este último, em sua complexidade neural, às vezes vacile: às vezes quer ser um deus, às vezes quer ser um verme. Mas são apenas exceções que confirmam a regra. Cada ser quer ser a si mesmo e ponto final. Isso a todos compraz.

Por falar em regra e que toda regra tem exceção; e tem mesmo, inclusive esta. E a exceção da exceção da regra é que todo ser vivo morrerá um dia, muito antes do que se possa esperar. É uma regra absoluta. Mas esta gostaríamos de relativizar, de estabelecer exceções. E assim a maioria de nós vive numa perspectiva ilusória e ao mesmo tempo iludida de que vamos viver para sempre. Quando não por nós mesmos, mas pelo menos por meio das gerações, dos genes que vamos como uns danados atirando futuro afora.

Esta necessidade está dramaticamente documentada desde os primórdios de nossa civilização. O livro do Gênesis dá conta de que teria Ló sobrevivido juntamente com duas filhas, às explosões de Sodoma. Como não havia nas imediações algum outro homem com quem as filhas pudessem se acasalar e dar seguimento às gerações, elas embebedaram o pai com um vinho artesanal, que perdeu os freios morais que vedavam o incesto. E assim duas estirpes ancestrais dos habitantes de Israel tiveram início, que são os moabitas (saído do pai) e amonitas (filho de parentes).

A necessidade da criação de certezas tem conseguido feitos extraordinários, inclusive o feito de não se estabelecer nunca, mas de ser sempre perseguido, incansavelmente, pelas gerações. Não foi por outra razão senão pela necessidade de reduzir as incertezas que criamos totens, Deuses e toda sorte de seres sagrados, inventamos calendários, criamos a agricultura, estabelecemos religiões e ritos, mergulhamos em superstições e avançamos na ciência. Não esqueçamos nunca que a ciência também tem suas superstições, seus fundamentos estabelecidos sobre princípios, que são por sua vez limitados pela ignorância. A ciência também caminha de pé nas coxas.”
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