A intolerável alegria daqueles pequenos estranhos

Eberth Vêncio, Revista Bula

“A camionete avançou o sinal vermelho e derrubou no asfalto o motoqueiro. Eu vinha logo atrás, distraído, enclausurado numa cápsula sobre quatro rodas. Um carro. Apenas mais uma peça da nefasta engrenagem que se tornou o trânsito desta metrópole.

A picape arrancou em velocidade, sem prestar socorro ao acidentado, desaparecendo na paisagem urbana. Não tive tempo de anotar a placa, mas no vidro traseiro havia um adesivo que anunciava em letras garrafais: DIRIGIDO POR MIM, GUIADO POR DEUS. Uma sacrílega parceria atribuída ao suposto criador do universo, ainda mais naquela situação de erro e fuga.

Não fosse pelas escoriações e constrangimento, o sujeito até que se safou bem. Ele sabia que era apenas mais um motociclista entre tantos que se ferram no trânsito. Bateu as mãos sobre a roupa despregando a poeira da rua, pesquisando sangue, e agradeceu a Deus por não ter se ferido. Seria o mesmo Deus no qual cria o fujão da camionete?! Subiu na motoca e tocou em frente, misturando-se aos demais crentes e ateus.

Observar atentamente a cidade é uma forma de amá-la. Diariamente, numa famosa alameda perto da minha casa, há dezenas de pessoas praticando corrida. Os atletas amadores treinam ali mesmo numa beirada da rua, sob a sombra dos pinheiros (jamais poderia supor que pinheiros sobrevivessem ao inóspito clima quente desta região; da mesma forma que os passarinhos, à saga mortífera dos seres humanos). A presença dos corredores tem gerado alguma polêmica e está irritando vários motoristas que por ali transitam, a maioria deles sempre apressada, atormentada pelo tempo, arruinada pela própria bílis.”
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