Por uma nova narrativa

A direita, no Brasil “pós-ideológico”, se faz representar pelo inefável Serra que, emblemático do Homo otarius, não é nada – apenas o pós-Lula. E Lula quem seria?

Márcia Denser, Congresso em Foco

Um dos elementos mais significativos do já clássico Bem-vindo ao deserto do Real!, de Slavoj Zizek (S.Paulo, Boitempo, 2003), é como o filósofo esloveno se serve da análise cinematográfica e da crítica da cultura para demonstrar como opera a ideologia hegemônica. Ele fundamenta seu ponto de vista ao observar que atualmente é extremamente difícil, até traumático, para o ser humano aceitar que sua vida não é apenas um processo estúpido de reprodução e busca do prazer, mas que ele está a serviço de um propósito transcendente. Em nosso universo “pós-ideológico” é assim que parece funcionar a ideologia: executamos nossos mandatos, incorporamos nossos papéis simbólicos sem admiti-los e “sem levá-los a sério”. A exemplo do sujeito que, apesar de funcionar como “pai”, vive se auto-ironizando, botando tal condição entre aspas.

O sucesso do desenho animado Shrek (Andrew Adamson e Vicky Jenson, 2001), diz ele, expressa perfeitamente esse funcionamento predominante da ideologia: é uma história de fadas padrão, na qual o herói e seu assistente engraçado saem em campo para derrotar o dragão e salvar a princesa. Mas a narrativa vem “enfeitada” (no sentido de adorno, ornamento) com “estranhamentos brechtianos” (que eu chamaria antes de “deslocamentos temporais”) – na igreja, a multidão que assiste ao casamento recebe instruções para reagir: “Aplausos!”, “Rir!”, “Silêncio!”, com a mesma falsa espontaneidade dum auditório de TV; desvios politicamente corretos (depois do beijo, não é o ogro quem se transforma num belo príncipe, mas a linda princesa que vira ogra); reversões inesperadas de personagens maus em bons (o dragão se revela fêmea e apaixonada pelo burrinho co-herói), tudo isso sem contar as gírias e referências a costumes e canções pop.

Mas em vez festejar tais estranhamentos como potencialmente “subversivos”, como uma certa crítica se apressa em fazer, é preciso perceber o óbvio: por meio de todos esses deslocamentos, contou-se a mesma velha história. Em síntese, a verdadeira função dessas “subversões” é atualizar, ou seja, tornar relevante para a nossa época “pós-moderna” a história tradicional – e assim evitar que ela seja substituída por uma nova narrativa. Eis objetivamente o achado crítico do autor.”
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