Ação Afirmativa, Injustiça Insuspeita

Duanne Ribeiro, Digestivo Cultural

“Estou prestes a concordar com racistas. Ou quase. Estou prestes a concordar com supostos racistas que foram vítimas de racismo. Ou quase. O assunto é mais complicado do que pode parecer à superfície: os estúdios Marvel incluíram, em Thor, um deus nórdico porém negro. Um grupo americano de conservadores se enfureceu: "Parece que a Marvel acredita que o povo branco não deve ter nada que é único dela. O filme (...) dará aos deuses de Asgard uma maquiagem multicultural que é um insulto". Essas pessoas estão certas.

Não totalmente certas, é claro. O assim chamado povo branco se coloca como despojado de tudo o que tem, mas esse simplesmente não é o caso. Como um manifesto antiracista dispôs no ano passado, os "brancos" possuem muitos privilégios e coisas só suas, entre elas, poder "abrir revistas e jornais e estar seguro de ver muitas pessoas parecidas", ver na "televisão pessoas de minha raça em grande número e em posições sociais confortáveis, o que me dá perspectivas" e conhecer, logo na escola, "heróis e obras feitas por pessoas da minha raça". É precisamente por esse estado social que se defende mais negros na mídia ou a inclusão da história da áfrica nas escolas, indo além de uma visão de mundo europeia. E é o que parece que os produtores de Thor estão fazendo, uma ação afirmativa. Mas não estão.

Os conservadores acertam quando falam de insulto. Considere um orixá branco aparecendo improvável em uma adaptação de Jorge Amado. Guardadas as diferenças históricas citadas, soa como se algo muito próprio de alguém tivesse sido roubado. O povo ancestral de quem surgiu essas crenças acreditava em deuses que lhe eram semelhantes. Tolo quanto possa parecer, pouco relacionados aos nórdicos quanto possam ser, é justo que esses americanos se sintam ofendidos. Se enxergamos racismo incrustrado na mídia pela onipresença branca, é porque entendemos que esse povo está espoliado de algo que é importante. Se queremos que haja liberdade de culto e reconhecimento para o candomblé e a umbanda, é pelo cárater único dessa cultura. Há algo na mitologia nórdica a que alguém possa se referir orgulhoso, e esse alguém não quer que isso seja transfigurado de qualquer forma.

Podemos, no entanto, pensar que essa é uma ação afirmativa ainda mais corajosa e potente, por esses mesmos motivos, por ousar uma mudança em algo tão consolidado. É uma ideia. Outra é que seja uma atitude quase apolítica da Marvel, benigna porque indica a passagem de um estado de coisas em que isso era problemático e agora é só uma questão de elenco. O ator que interpreta o asgardiano negro, Idris Elba, foi nesta direção: "é um sinal do futuro. Uma forma de não incluir alguém de sua raça apenas por preencher uma cota, ou para não parecer ofensivo". Quanto de verdade há nessas duas ideias?”

Foto: Reprodução
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