Em busca da adrenalina perdida

Marta Barcellos, Digestivo Cultural

“Havia alguma expectativa de, durante a viagem, descobrir por que eu nunca quis ir à Disney. Algo estranho na infância, quem sabe um desejo velado, inconsciente pela impossibilidade de realização do sonho, ou um traço de personalidade intocado pela análise. Outro adulto do grupo, também estreando por insistência dos filhos, atribuiu o desinteresse comum ao antiamericanismo que acompanhou nossa geração. Pode ser. Mas, diante da primeira "parada" de personagens, acenos da Minnie e do Pateta, encontro uma explicação mais simples: a intuição de que aquilo seria tolo, mesmo na infância. Sempre preferi Asterix ao Pato Donald.

Com a rotina de parques se estabelecendo, porém, pareceu surgir uma motivação. Para tudo. Para a noite econômica no avião, a paisagem barra-da-tijuca de Orlando, a comida horrível. Tudo seria compensado por dois minutos e meio em uma montanha-russa radical. É preciso se superar, colocar a Sheikra no currículo, despencar na vertigem furiosa do Hulk, enfrentar a escuridão alucinada ao som do Aerosmith, temer o confronto de trilhos dos Dragons, mergulhar de cabeça na Manta, ou de costas no Everest. Atrás do tal sentido, me submeti.

Fomos programados para receber altas doses de adrenalina na juventude, quando deveríamos sobreviver a ataques de animais ferozes, vencer privações e estresses inimagináveis, reagir rápido ao imponderável da natureza. Agora, com vidas seguras e previsíveis (especialmente na Flórida), pré-adolescentes e jovens adultos buscam sua droga nas armações metálicas intimidadoras, na superação de limites prometida pelas novas tecnologias. Os simuladores se sobrepujam e enganam os sentidos recém acostumados à ilusão do brinquedo anterior: é preciso dissimular a realidade. Sempre. Harry Potter me acena, e sigo suas manobras ousadas em minha vassoura, esquecendo os 40 minutos de fila.

Consta que o segredo do sucesso da Disney, multiplicado por outros parques de Orlando, é a fidelização. As pessoas — famílias e grupos — voltam. Por isso, além do serviço impecável, é preciso oferecer novidades de última geração. A cereja do bolo é a montanha-russa-troféu, onde todos provam sua bravura, com mais ou menos sofrimento. Descubro que a atração foi mesmo inventada na Rússia, onde trenós desciam por montes especialmente construídos no gelo. Não sei como era naquele tempo, mas hoje as únicas habilidades necessárias são a coragem de entrar no carrinho e a paciência para resistir à fila.”
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