A rentável miséria da literatura

Lucas Carvalho Peto, Digestivo Cultural

“A literatura está empobrecendo. A literatura como expressão artística por excelência perde espaço dia após dia. Autores como Georges Bataille perdem espaço para contadores de histórias "vendáveis". A verdade é que os leitores aumentam, mas a qualidade de suas leituras diminui significativamente. A transgressão está diminuindo. O poder "revolucionário" da linguagem está sendo deixado de lado. Aqui, o que se questiona é a padronização, e não uma ou outra obra. Esse ou aquele autor. Essa ou aquela editora. Questiona-se a padronização. Os Tertuliano Máximo Afonso, personagem do livro O homem duplicado, de José Saramago, estão perdendo a queda de braço para o senso-comum. Se o Tchítchicov de Gogol, perambulasse, hoje, em uma breve busca por fortuna literária, não encontraria, de fato, muito além de almas mortas. E o jovem Wilhelm Meister, de Goethe, para quem "um poema ou deve ser excelente ou não existir", apaixonado pelo teatro shakesperiano, que em cóleras se consumia a constatar a "ausência de um único comentário sobre o valor poético de uma peça teatral", o que seria dele? O que seria desse mesmo Meister, que se percebia atônito frente à predileção dos atores por questionamentos como: "O que será desta peça? Quanto tempo ficará em cartaz? Quanto ganharemos com ela?". Hoje, encontraria ele os Vinteuil's proustianos, ou Karmazínov's, que, como apontado por Lipútin, em Os Demônios, de Dostoiévski, prezava mais por suas "relações com os homens fortes e a alta sociedade do que com a própria alma e sua arte"?

O que deveria ser uma expressão da subjetividade do autor como em Proust, um retrato político-social como em Victor Hugo, um esboço fictício de ideias filosóficas como em Camus e Simone de Beauvoir, ou, nos moldes parnasianos, arte pela arte, atualmente não passa de cópia da cópia, de uma cópia copiada. O que dizer, então, sobre a inovação? Inovação estética e conceitual, como no Decamerão de Boccaccio, por exemplo. Esta também está escassa. É só entrar em uma livraria e constatar o óbvio. As capas se assemelham. As histórias se assemelham, até as ideias se parecem. "Vivemos no que se pode chamar hoje, sem nenhum exagero, um deserto de ideias. Não há ideias novas, não há ideias que mobilizem, não há ideias que façam levantar as pessoas da sua resignação", disse Saramago. Roland Barthes diria (disse, aliás) que os autores não existem mais, existem apenas scriptores. E por quê? Os autores são os culpados? As editoras? E o leitor, ele não tem "parcela de culpa"?

O affair com a sétima arte tem seu papel nessa questão. Deixa-se de lado uma produção literária reflexiva, epistemológica, existencial, metalinguística ou filosófica para se produzir cinema impresso. Essa é a base genética da predileção pela descrição física das personagens e do ambiente no qual estão inseridas. Alguns dirão que Flaubert já fazia isso. E Proust também, em menor escala. A diferença aqui é o objetivo. Flaubert e Proust tinham um propósito estético puro. Não se pode dizer o mesmo da maioria dos autores contemporâneos. Eles buscam o estético prático e, com isso, furtam de seus leitores um dos pilares da literatura: o imaginário. E o objetivo é preciso, criar personagens que lembrem atores famosos, com especificidades da moda. O cineasta não precisa mais vasculhar os livros em busca de histórias para retratar, os escritores é que se esforçam para levar seus escritos para a tela. É uma inversão de polaridade. Essa é uma das partes que cabe aos autores.”
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