Das diferenças


Menalton Braff, Revista Bula

“De meu falecido pai aprendi algumas lições. Hoje penso que nem todas foram muito importantes, pois nós tínhamos nossas diferenças que deveremos carregar para o reino de Hades. Uma delas, contudo, a do respeito pelas diferenças, veio-me dele. Apesar de que, na prática, muitas vezes, ele tenha deixado de aceitar opiniões minhas diferentes das opiniões dele. Só bem mais tarde aprendi que discurso pode ser intenção, e que intenção pode não corresponder ao ato.

Tempos atrás um jovem repórter me pediu uma entrevista, e tenho por norma jamais me recusar, mesmo sob condições adversas. Tenho consciência do que representa a mídia para mim e aprendi a respeitá-la.

Como fecho da entrevista, o jovem me pediu a indicação de algum livro, com algumas palavras sobre ele. Se desde muito cedo vivo entre livros, e os manipulo diariamente, não foi difícil escolher um, cuja leitura me parece fundamental para uma pessoa culta. Mas o repórter não estava satisfeito. Acabou pedindo a indicação de um DVD. Arregalei os olhos, e ele, gentilmente, explicou: algum show que o senhor recomende. Quando percebeu minha atrapalhação, olhou-me com sorriso sardônico: — Mas nenhum? O senhor, então, não gosta de música?

O jovem fez-me sentir um paquiderme, um ser fora de seu planeta. Não tive como responder na fogueira do tempo, mas agora tento explicar-me.

Meu caro jovem, se você está lendo esta crônica, e se você, por qualquer acaso gosta de ler, eu amo a música, que estudei até certa altura da adolescência. Eduquei meu ouvido para sutilezas de timbre, combinações, variedades rítmicas. Tenho necessidade de música, que costumo curtir muitas vezes de olhos fechados, para não perder nada. De show não, de show não entendo. Mas me parece que não é música o que se busca em um evento desses, senão a comunhão com os da tribo, numa espécie de rito que não me diz nada.

Nem melhor, nem pior, apenas diferente.”

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