Carlos Willian Leite, Revista Bula
“Caro Sammy,
Aquela putinha esteve aqui esta noite; você
sabe, Sammy, a pequena sebenta com o corpo maravilhoso e a mente de um
retardado. Entregou-me certos alegados textos supostamente escritos por você.
Além do mais, afirmou que o homem da foice está vindo ceifá-lo. Sob
circunstâncias normais, eu chamaria esta de uma situação trágica. Mas tendo
lido a bílis que os seus manuscritos contêm, deixe-me falar para o mundo em
geral e dizer imediatamente que a sua partida é uma sorte para todo mundo. Você
não sabe escrever, Sammy. Sugiro que se concentre na tarefa de colocar sua alma
idiota em ordem nestes últimos dias antes de deixar um mundo que vai suspirar
aliviado com a sua partida. Gostaria honestamente de poder dizer que detesto
vê-lo partir. Gostaria também que, como eu, você pudesse legar à posteridade
algo como um monumento aos seus dias sobre a terra. Mas como isto é tão
obviamente impossível, deixe-me o aconselhar a não guardar rancor nestes seus
dias finais. O destino foi realmente ingrato com você. Como o resto do mundo,
suponho que você também esteja contente de que muito em breve tudo estará
acabado e a mancha de tinta que você deixou nunca será examinada de um ponto de
vista mais amplo. Falo em nome de todos os homens sensíveis e civilizados quando
o conclamo a queimar esta massa de esterco literário e depois se manter
afastado de caneta e tinta. Se tiver uma máquina de escrever, o mesmo vale par
ela; porque até a datilografia deste manuscrito é uma desgraça. Se, no entanto,
persistir no seu lamentável desejo de escrever, de modo algum me envie a josta
que você compôs. Descobri pelo menos que você é engraçado. Não deliberadamente,
é claro.
Arturo Bandini
*Carta de Arturo Bandini ao desafeto Sammy. Arturo amava Camilla que amava Sammy. Do livro "Pergunte ao Pó", de John Fante.”
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